Cartas de Estalinegrado
Prefácio de Mário
Sacramento
Tradução: Helena
Rosado
Colecção Documentos
Vivos nº 8
Editora Arcádia,
Lisboa, Junho de 1960
Em Estalinegrado, pensar em Deus é deixar de acreditar n’Ele. Acho que
devo dizer-te isto, querido pai, e custa-me muito fazê-lo. Foste tu que me
criaste, porque me faltou a mãe e sempre me quiseste gravar na alma o nome de
Deus.
E lamento duplamente as minhas palavras, porque são as últimas e porque depois delas não posso escrever mais nenhumas, que atenuem ou apaguem o efeito destas.
És um salvador de almas, pai, e sabes bem que na última carta só se diz o que é verdade ou o que se julga ser verdade. Tenho procurado Deus no troar dos canhões, em todas as casas destruídas, em todos os cantos, junto de todos os camaradas, quando estou acocorado nos esconderijos, até O procurei no céu... E Deus não respondeu quando o meu coração gritou por Ele. As casas estavam destruídas, os meus camaradas eram tão corajosos ou tão cobardes como eu, na terra havia fome e assassínios, no céu havia bombas e havia fogo, só não havia Deus.
Não, pai, Deus não existe! Repito-o, e sei que é horrível não mudar de ideias. E supondo que existia um Deus, só existiria junto de vós, junto dos livros dos cânticos e de orações, dos versículos pios dos padres e dos pastores, junto do som dos sinos e do cheiro do incenso, mas nunca em Estalinegrado.
E lamento duplamente as minhas palavras, porque são as últimas e porque depois delas não posso escrever mais nenhumas, que atenuem ou apaguem o efeito destas.
És um salvador de almas, pai, e sabes bem que na última carta só se diz o que é verdade ou o que se julga ser verdade. Tenho procurado Deus no troar dos canhões, em todas as casas destruídas, em todos os cantos, junto de todos os camaradas, quando estou acocorado nos esconderijos, até O procurei no céu... E Deus não respondeu quando o meu coração gritou por Ele. As casas estavam destruídas, os meus camaradas eram tão corajosos ou tão cobardes como eu, na terra havia fome e assassínios, no céu havia bombas e havia fogo, só não havia Deus.
Não, pai, Deus não existe! Repito-o, e sei que é horrível não mudar de ideias. E supondo que existia um Deus, só existiria junto de vós, junto dos livros dos cânticos e de orações, dos versículos pios dos padres e dos pastores, junto do som dos sinos e do cheiro do incenso, mas nunca em Estalinegrado.
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