sábado, 16 de maio de 2020

ANTOLOGIA DO CAIS

 
Para assinalar os 10 anos do CAIS DO OLHAR, os fins-de-semana estão guardados para lembrar alguns textos que por aqui foram sendo publicados.

O QU’É QUE VAI NO PIOLHO?

De poucos filmes sei, que recriem a magia das matinés da infância e da adolescência, como Cinema Paraíso do italiano Giuseppe Tornatore.

Aquele tempo único em que a plateia do Cine-Oriente fazia uma imensa chinfrineira face às imagens que corriam na tela, uma inocente euforia que não mais encontrei, um público que mal sabia ler e uma boa parte nem isso. Fui um dos muitos miúdos desse cinema barato, onde tantos descobriram a magia do cinema, o seu mundo de fantasia.

São esses espectadores, outros que foram surgindo por todos os tempos, que têm por Cinema Paraíso um sentimento de puro afecto.

No filme está lá tudo: a magia do cinema, o amor ao cinema, a nostalgia.

Aquando da sua estreia, um pouco por cada canto do mundo, os críticos torceram o nariz e foram os espectadores que lhe deram a alma, ao ponto de ser distinguido com o Grande Prémio do Júri, no Festival de Cannes de 1989, e o Óscar de melhor filme estrangeiro.

A sequência dos beijos cortados pelo padre-censor, é antológica.

Há quem considere Cinema Paraíso um filme sentimentalista, pretendendo esquecer que, acima de tudo, se trata de uma homenagem ao cinema, seja lá o que isso for.

O meu pai morreu em Junho de 1990.

O filme, em Portugal, estreou nos primeiros meses desse ano.

Por Abril, desafiei o meu pai para irmos ver o filme e, como era tradição, depois de cada sessão, beber uma garrafinha a acompanhar um qualquer petisco.

Ainda disse que à garrafinha talvez, mas ao filme não iria.

No adiantou razões, falou-me vagamente numa crónica do Carlos Pinhão sobre o filme, mas não consegui juntar as pontas desse novelo.

Só ele o saberia como fazer.

Claro que sinais da doença já os sentia e a sua inteligência levou-o a não ser companheiro desse passo.

Nem filme, nem garrafinha.

A 17 de Maio entrou no Hospital e cedo ficámos a saber que, mais dia menos dia, chegaria o fim.


 Por mim e por ele, quase um Imenso Adeus do Chandler, fui ver o filme, sessão das 16,30 horas, do dia 6 de Junho, no Plaza, uma sala que existia no Centro Comercial Alvalade.

Chorei infâncias perdidas, como escreveu Jorge Silva Melo em relação a O Vale Era Verde do John Ford.

Chorei essencialmente a morte do meu pai que pressentia próxima.

Ocorreria dezasseis dias depois dessa sessão do dia 6.

Se a catalogação existe, Cinema Paraíso é um dos filmes da minha vida.

Texto publicado no dia 17 de Abril de 2018

2 comentários:

Seve disse...

Plenamente de acordo.
E com uma música absolutamente sublime.
Para a história do Cinema.

Sammy, o paquete disse...

Uma banda sonora desse excelente Enio Morricone.
Sempre me borrifei para os óscares da Academia. Aquilo é uma secção envergonhada da máfia hollywoodesca.
Mas não terem encontrado uma única banda sonora para atribuírem um óscar a Enio Morricone, é mesmo de sacanas!