quinta-feira, 10 de maio de 2012

SARAMAGUEANDO


No ano de 1992, José Saramago, surgia como o preterido histórico do Grande Prémio de Romance e Novela, atribuído pela Associação Portuguesa de Escritores.

Na sua primeira edição, em 1982, Memorial do Covnento perdia para Balada da Praia dos Cães de José Cardoso Pires. Em 1984 Amadeo de Mário Cláudio foi escolhido em vez de O Ano da Morte de Ricardo Reis.Dois anos depois, Jangada de Pedra perdeu para Um Amor Feliz de David Mourão Ferreira e em 1989 era a vez de História do Cerco de Lisboa perder para Fora de Horas de Paulo Castilho.

De modo algum estão em causa as obras que foram escolhidas, simplesmente o entusiasmo que os leitores tinham para com as obras de José Saramago, não era acompanhado por grande parte dos seus pares.

O facto de Saramago ser um comunista assumido, dificultava – e de que maneira! – a possibilidade de lhe ser atribuído o prémio.

Só assim se pode compreender que O Ano da Morte de Ricardo Reis tenha sido preterido. Não vale a pena contar histórias para embalar meninos.

Na entrada a uma entrevista a José Saramago, publicada no JL de 5 de Novembro de 1991, José Carlos de Vasconcelos escrevia:

Vem aí “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” que vai dar muito que falar.

O tema era mais que polémico e ia provocando debates apaixonados.

O que não se julgava possível era que um devoto salazarista, um saudoso da Inquisição, armado em Subsecretário de Estado da Cultura de um dos governos do auto-denominado social democrata Cavaco Silva (o professor Cavaco é, pura e simplesmente, na mais exacta e sombria acepção do termo – um reacionário, tal como, na altura, escreveu Ruben de Carvalho), cortasse o romance de Saramago da lista dos nomeados para o Prémio Literário Europeu.

Mas isso é uma outra história e agora o que nos importa é referir que, chegados a 1992, começava a ser impossível José Saramago não ser o escolhido para o prémio da Associação Portuguesa de Escritores.

O Público, de 23 de Junho de 1992, dava, nestes termos, a notícia.

José Saramago ganhou o Grande Prémio de Romance com “Evangelho Segundo Jesus Cristo”. Já se sabia desde a semana passada, mas a liturgia existe para ser cumprida: a APE anunciou ontem o feito.

O JL titulava:

À quinta foi de vez. Vitória no público e 3-2 no Júri.

Não existiu unanimidade no júri, constituído por Fausto Lopo de Carvalho, Maria Lúcia Lepecki, Salvato Trigo, Fernando DaCosta e Vitor Viçoso.

Lepecki e Salvato Trigo votaram em Évora e os Dias da Guerra de Mário Ventura.

A resposta de José Saramago não se fez esperar:





Vistas as circunstâncias – as recentes e as antigas -, e para não juntar o choque de uma recusa ao escândalo de uma exclusão, aceito este prémio sob condição de o seu valor ser usado na compra de autores portugueses contemporâneos a enviar aos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) que estejam interessados em os receber.
Peço à APE, ao Pen Clube e à SPA o favor de se encarregarem da selecção das obras e do seu encaminhamento…

Nem mais!

Nesta altura, o livro já ia na sua 5ª edição, mais de cem mil exemplares vendidos, a tradução castelhana estava no top de vendas, e preparavam-se as traduções para italiano francês e inglês.

O jornalista Joaquim Vieira, comentando a atribuição do prémio:

Depois de tantas expectativas falhadas, o prémio APE para Saramago chega em total inversão de valores: já não é o escritor que se torna conhecido ao ser distinguido pela Associação; é esta que projecta o próprio nome à custa do escritor.

Mas era impossível não juntar, à satisfação da atribuição do prémio, a desilusão, a tristeza, a tremenda injustiça por  O Ano da Morte de Ricardo Reis, não ter sido, em devido tempo, o livro escolhido.


Legenda: capa da tradução grega de O Evangelho Segundo Jesus Cristo, retirada do site da Fundação José Saramago.

Título do JL de  23 de Junho de 1992

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