sexta-feira, 11 de maio de 2012

AS TRISTEZAS DE MEU IRMÃO ZÉ CARLOS


O meu Querido e já falecido irmão José Carlos era do Benfica.

Não parecia, mas era…

Em nossa casa não se falava de futebol.

O meu Pai foi uma das três ou quatro pessoas do Belenenses que encontrei em toda a minha vida, embora não ligasse patavina a futebol.

A minha Mãe era do Sporting, mas do que ela gostava, verdadeiramente, era de Hóquei em Patins. Falava-se  em Jesus Correia e Correia dos Santos e um sorriso de imediato se instalava no seu rosto.  Ainda assim,  lembrava-se, orgulhosamente,   de que a única vez que tinha posto os pés  num estádio de futebol fora na inauguração do velhinho  Estádio de Alvalade.

O meu irmão Jorge também era um sportinguista muito pouco praticante e a minha irmã Rosa Maria,  já falecida,  nunca ligou nada a essas coisas do pontapé na bola, embora tenha acabado  portista ferrenha pelo simples facto de ter sido esse o único clube português que lhe levava, de vez em quando,  algumas alegrias aos diversos lugares deste Mundo por onde andou emigrada, após o 25 de Abril.

Mas se não se falava de futebol, fala-se,  profusamente, de touradas, amor primeiro de meu Pai e de meu irmão Zé Carlos.

Antes de eu saber o que era um penalty, um fora-de-jogo, uma obstrução ou uma carga de ombro, eu já sabia o que era uma chicuelina uns faroles, uma “verónica” ou uma meia-verópica, e mesmo antes de saber o que era estar no terceiro anel eu já sabia em que Sector da Praça de Toiros do Campo Pequeno nos deveríamos sentar  para não se apanhar com  o sol na cara e a sombra em cima do toureiro,  a las cinco de la tarde, a las cinco en punto de la tarde…

Já sabia de Manolete e do toiro Miura  que o matou,  naquela fatídica tarde na Praça de Toiros de Linares.

E também já sabia que se Luís Miguel me chamava o ficara a dever ao grande Luís Miguel Dominguín.  Sorte a minha ele não se ter chamado Miquelino…

E de Dominguín me iria lembrar muitos anos mais tarde,  não pelo  meu nome, mas por outras lides e outras arenas… Por o  ter sabido  casado com a bela Lucia Bosé, actriz de Antonioni e de Buñuel.

E várias vezes imaginei como seria sentir  a doce Bosé,  com aquela camisa de noite que usa no Cronaca di un Amore,  a entrar-me de mansinho  no escuro do quarto  a dizer suavemente Luís Miguel, como quem chama por mim….

Mas já estou a divagar, e o tema de hoje é o Benfica e o meu irmão Zé Carlos, e não  as touradas,  a Bosé  ou outras  faenas.

O Benfica de meu irmão Zé Carlos...!

O meu irmão Zé Carlos era um benfiquista suave, tal como o “Português”  que se fumava nesses tempos.

Naquela já longínqua época em que me entretinha a picar os meus Amigos Benfiquistas,  várias vezes me tentei meter com ele.

Mas nunca tive qualquer sucesso.

Ele não dava luta…

Tirando um ou outro mais conhecido,  não sabia  o nome dos jogadores, dos árbitros, do próprio treinador da equipa…

Bicada que se lhe desse ficaria sem resposta,  pela certa.

Puxo pela memória e apenas por duas vezes me  lembro de ter visto o meu irmão Zé Carlos,  não só contente, mas perfeitamente eufórico com vitórias do Benfica, ambas,  por coincidência, no mesmo ano de 1969.

No dia 12 de Fevereiro de  1969 (obrigado Google!) o meu Querido irmão estava em Amesterdão, na sua viagem de finalistas do curso de Direito, segundo creio.

O Benfica também lá estava nessa noite e espetou 3 – 1 ao Ajax, num jogo para a Taça dos Campeões Europeus jogado debaixo de neve que, se bem me lembro,  até teve honras de transmissão televisiva, coisa muito rara nessa época.

No final do jogo o meu irmão falou-nos por telefone, eufórico, a perguntar se  tínhamos visto aquela maravilha de espectáculo…?!   Ele tinha-a visto  rodeado de holandeses, num típico bar de Amesterdão,  e estava, de facto, muitíssimo feliz da vida.

Quando regressou trouxe consigo, para  mostrar à Família,  um jornal holandês do dia a seguir ao jogo,  onde se via, no meio de um texto imperceptível, a fotografia de um jogador do Benfica  a rematar para golo, no meio da neve.

A segunda vez foi na noite de 26 de Novembro do mesmo ano de 1969.

Semanas antes o Benfica perdera em Glasgow 3 -0 com o Celtic numa eliminatória   para a Taça dos Campeões Europeus,  e essa derrota fora uma afronta,  para todos os benfiquistas e para o próprio País.

A expectativa de uma reviravolta era grande, como se dela dependesse a salvação da Pátria.

Mas para todos, menos para mim…

O dia seguinte era dia de aulas, eu tinha de me levantar muito cedo e deitara-me também cedo, como era meu hábito,  já que gostava de dormir bem.

Já deveriam  passar das 23H30 (nesses tempos os jogos começavam às 21H45…)  quando acordo com o meu irmão a berrar-me à beira da  cama:  LUIS MIGUEL!   LUIS MIGUEL!   ACORDA LUÍS MIGUEL!  O BENFICA RECUPEROU OS  TRÊS GOLOS COM O CELTIC E AGORA, NO PROLONGAMENTO, VAI ELIMINÁ-LOS, DE CERTEZA…!!!

Só me lembro de lhe  ter respondido com os dois ou três palavrões a que já me achava com direito do alto dos meus quase 16 anos de idade e de me ter virado para o outro lado, para continuar a dormir…

O que é que quereria de mim o meu Querido irmão Zé Carlos?  Um escape para extravasar a tensão e a alegria de um terceiro golo já marcado  em tempo de descontos…? Companhia para ouvir o relato no prolongamento…?

Jamais o saberei.

Mas lembrar-se-ão os meus  Amigos benfiquistas que estas duas alegrias de meu irmão Zé Carlos acabaram em tragédia.…

No prolongamento do jogo com o Celtic não houve mais  golos, e o Benfica acabaria por ser eliminado da forma mais ridícula que se possa imaginar:  por moeda ao ar…

Já o jogo com o Ajax fiou mais fino… Reza a história (eu não vi o jogo) que, na Luz,  o Benfica apanhou um banho de bola e perdeu pelo mesmo resultado da primeira mão (1 – 3).  Na altura não havia desempates  por penalties ou moeda ao ar, e o Benfica acabou por ser novamente cilindrado num terceiro jogo em campo neutro (Paris), jogo esse que me lembro muito bem de ter visto na televisão num dia de semana à tarde, entre duas tacadas de bilhar no Café do Dias, lá  para as bandas da Rua de Malpique.  Não me perguntem se, para o efeito,  faltei às aulas no Colégio Moderno, porque eu não responderei…

Muitos disseram que  terá sido nesses fatídicos  anos de 1968 e 1969 que terminou a época áurea do grande Benfica europeu.

Quem sou eu para me meter nessa discussão…

A única coisa que sei hoje, e que na altura não sabia,  é que terão sido essas as derrotas do Benfica que maior mágoa me deixaram…


Colaboração de Luís Miguel Mira



Legenda: Luiz Miguel Dominguin e Ava Gardner.

                Imagem da responsabilidade do editor

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