sábado, 26 de maio de 2012

DINHEIRO, MENINO, O OMNIPOTENTE DINHEIRO!


Mas Ega, justamente, achava uma desgraça incomparável para o país esse imoral desacordo entre a inteligência e o carácter. Assim, ali estava o amigo Gonçalo, como homem de inteligência, considerando o Gouvarinho um imbecil.
- Uma cavalgadura – corrigiu o outro.
- Perfeitamente! E todavia, como político, você quer essa cavalgadura para ministro, e vai apoiá-la com votos e com discursos sempre que ela relinche ou escoucinhe.
Gonçalo correu lentamente a mão pela gaforinha, com a frase franzida:
-- É necessário, homem! Razões de disciplina e de solidariedade partidária. Há uns compromissos. O Paço quer, gosta dele.
Espreitou em roda, murmurou, colado ao Ega:
- Há aí umas questões de sindicatos, de banqueiros, de concessões em Moçambique. Dinheiro, menino, o omnipotente dinheiro!
E como Ega se curvava, vencido, cheio só de respeito – o outro, faiscando todo de finura e cinismo, atirou-lhe uma palmada ao ombro_
- Meu caro, a política hoje é uma coisa muito diferente! Nós fizemos como vocês, os literatos. Antigamente a literatura era a imaginação, a fantasia, o ideal. Hoje é a realidade, a experiência, o facto positivo, o documento. Pois cá a política em Portugal também se lançou na corrente realista. No tempo da Regeneração e dos Históricos, a política era o progresso, a viação, a liberdade, o palavrório. Nós mugámos tudo isso. Hoje é o facto positivo – o dinheiro, o dinheiro! o bago! a massa! A rica massinha da nossa alma, menino! O divino dinheiro!

Eça de Queiroz em Os Maias, Livros do Brasil, Lisboa s/d


Legenda: imagem tirada de Life Photo Archive.

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