domingo, 6 de maio de 2012

CANÇÃO DA MINHA MÃE


1.   Já me não lembro, de como era quando ela ainda não tinha dores. Afastava de leve e cansada os cabelos negros da testa, que era magra, a mão ainda a vejo ao fazer aquilo.

2.   Vinte invernos tinham-na ameaçado, os seus sofrimentos eram legião, a morte envergonhava-se diante dela. Então morreu, e foi-se dar com um corpo de criança.

3.   Ela cresceu na floresta.

4.   Morreu entre caras que olharam demasiado para o seu morrer, e que nisso tinham endurecido. Perdoavam-lhe que ela sofresse, mas ela avançou errante por entre aquelas caras, antes de cair de todo.

5.   Muitos partem de nós sem que os detenhamos. Dissémos-lhes tudo, não havia mais nada entre eles e nós, as nossas caras endurecem à despedida. Mas o importante não o dissémos, antes poupámos no necessário.

6.   Oh, porque é que não dizemos o importante, seria tão fácil e somos amaldiçoados por isso. Eram palavras leves, mesmo por trás dos dentes, caíam cá para fora ao rir, e sufocamos com elas n garganta.

7.   E agora a minha mãe morreu, ontem, ao cair da tarde, no 1º de Maio! Não se pode arrancá-la da terra com as unhas das mãos!


Bertold Brecht em Poemas e Canções, Selecção e Versão Portuguesa de Paulo Quintela,  Livraria Almedina, Coimbra, Outubro 1975


Legenda: Pietà

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