Miguel fizera um escritório no quarto de
cima da torre. Levara para lá uns quantos livros e cadernos, uma secretária, colara
na parede reproduções de Rothko e fotografias a preto e branco, havia uma de
Andrei Tarkovski, sentado na sua cadeira de realizador, algumas de Veneza em
manhãs de nevoeiro, e no lugar de honra, perto da janela, o seu ícone, os três
anjos. A porta dava para o terraço, que nos dias de tempestade lembrava um
farol, as rajadas de vento, as gotas de águas do mar, os gritos das gaivotas.
Ele sempre gostara muito daquele quarto onde brincara em miúdo, primeiro
sozinho, depois com ela, era de lá que lhe fazia os sinais luminosos… enfim,
era o quarto da torre, e nenhum deles tinha esquecido o que certas palavras
fazem sentir, torre, farol, gruta, tesouro, estrela, estalagmite, nevoeiro,
barco pirata.
Ana Teresa
Pereira em A Linguagem dos Pássaros
Legenda: Andrei Tarkovski
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