O Cavalo a Tinta-da-China
Baptista-Bastos
Capa: Cláudia Gigliom
Edições Temas da Actualidade, Lisboa 1995
Clara espera. Tem um livro na mão. Leu algumas páginas, pousou-o, olha para Manuel, volta a ler algumas páginas, pousa de novo o livro.
- Que livro é esse?
Clara cerra as persianas, volta a pegar no livro, dirigisse-se para o espelho, contempla-se, faz uns gestos grotescos, mima alguém, ri, continua com o livro na mão, ouve-se um estalido da madeira do armário, Manuel segue todos os seus movimentos, Clara lê em voz alta:
Vai então, contador de histórias, e constrói
a nave dos milagres. Procura tudo e todos
nos mínimos sentidos, no lírio das barmas,
na nuvem secreta, nas formigas, no bosque
que se forma ao virar da esquina.
É no real que encontras o sentido último
do mais profundo e mágico mundo novo.
- Que livro é esse?
- Do Eduardo Guerra Carneiro. Trouxeste-o há dias.
- Ah!, pois. Estive a beber com ele.
- Pois. Já vinhas com uns dedos acima do nível.
- Gosto de beber com ele. É um tipo cordial e louco.
- É bom poeta?
- É muito bom poeta.
- Suficientemente bom?
- Quem o é?
- Quem vence a morte – diz Clara, mais baixo, e retém o olhar em Manuel. – Quem morre e permanece vivo
- Ou aqueles que disseram coisas que ninguém tinha dito até então.
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