quarta-feira, 15 de abril de 2020

DIÁRIO DOS DIAS DIFÍCEIS


Ferreira Fernandes e Catarina Carvalho pediram a demissão dos cargos que ocupavam na direcção do Diário de Notícias e a administração aceitou o pedido.

Perspectiva-se o accionamento da lay-off nos vários títulos que fazem parte da Global Média e os directores entenderam que não tinham condições para continuar.


«A partir de amanhã, a edição em papel só sairá aos domingos.

Nos restantes dias terá uma edição digital.

Dizem que é um passo em direcção ao futuro, um futuro mais firme.

Na quinta-feira, na «Quadratura do Círculo» , José Pacheco Pereira disse: o Diário de Notícias acabou!

Ferreira Fernandes não está nada de acordo e, hoje, num texto bem esgalhado, explica a Pacheco Pereira o tal futuro mais firme.

Não serei tão taxativo como Pacheco Pereira, mas, face a esta mudança,  também tenho as minhas dúvidas.

O meu avô paterno, republicano histórico, odiava o Diário de Notícias, como então se dizia, o jornal das sopeiras e só lia O Século.

Segui-lhe as pisadas e, também,  muito raramente passei as mãos pelas suas páginas.

O Diário de Notícias apenas foi o meu jornal enquanto os nomes de Luís Barros e José Saramago estiveram no cabeçalho do jornal.

De Abril a Novembro de 1975: os dias dos dias.»

Nestes Dias cruéis que vamos vivendo, é mais uma notícia triste.

Sim, aproximam-se péssimos dias para o Diário de Notícias-on line que ainda hoje destacava esta notícia:

«Choque de desemprego será o maior de que há registo em Portugal.»

Péssimas e arrepiantes notícias para todos os órgãos de informação, sejam da imprensa escrita, da rádio, da televisão.

Sou de um tempo em que o jornalismo era uma profissão respeitável, ler um jornal não era dar o tempo por perdido, era um gesto importante. Também não  existiam on-lines e havia a necessidade de olhar o que se passava no país e no mundo, mesmo sabendo que o lápis azul da censura, frequentara as pilhas de jornais que se amontoavam, ainda não havia quiosques, no ardina da esquina.

Existiam também as entrelinhas que, magistralmente, alguns jornalistas sabiam utilizar, assim fintando  os-incultos-quase-analfabetos-coroneis-da-censura.

Recordo, não com jornais, mas uma história da rádio, contada por Luis Flipe Costa:

Em 17 de Maio de 1967, Palma Inácio realizou o assalto ao Banco de Portugal da Figueira da Foz, o que seria o primeiro acto político da LUAR. Obviamente a notícia foi proibida pela censura, mas sabia-se, por portas travessas, o que tinha acontecido, e no noticiário da uma da manhã do Rádio Clube Português, o jornalista Luís Filipe Costa aproveitou a leitura do boletim meteorológico para concluir a sua apresentação:

"Felizmente, há luar".

Baptista-Bastos, Capitão de Médio Curso:

«Mais do que uma instituição pública, o jornal é uma declaração de amor, um momento, e a sua arte reside justamente na virtude de chegar na hora, na criação do contraponto entre o que permanece e o que vai acontecendo.
A solidão do jornalista decorre da fraternidade por ele jamais recusada, da responsabilidade por ele aceite como princípio ético, da severidade imposta pelo comércio das ideias feito com outros homens. Mas a solidão do jornalista é intermediária, porque reflecte uma época também intermediária, onde o poder, a força e a riqueza têm menor importância do que a ciência. Sendo acto, sonho, declaração de amor, o jornal é também uma ciência – eis porque os tiranos temem o prestígio do jornal que vê claro e escreve vivo: a felicidade apoia-se na verdade, a ilusão assenta na mentira.»

Nicolau Santos, aqui:

«Hoje. Ao fundo, um homem sai de um gabinete. O gabinete do chefe. Do ex-chefe. Do ex-chefe que ainda é chefe, ex é ele: ex-empregado. Acaba de ser despedido. É um de um rol de muitos, um nome a mais numa lista, uma fila a menos numa folha de cálculo. Sai calado, pelo espaço aberto, outros olhos viram-se primeiro para ele, depois para baixo. Outro nome é chamado, lá vai ele, o mesmo gabinete, o mesmo destino. Hoje a empresa não é uma empresa, é um matadouro. Morrem empregos. Saiu nas notícias e tudo. É um dia na vida.»

Faz-nos companhia, uma velha e gloriosa canção dos Byrds: «Turn, Turn, Turn.»

Um tempo para nascer, um tempo para morrer, um tempo, a canção não o diz mas escrevo eu, para acreditar que não é possível viver sem jornais em papel, um aceno longo ao meu pai que, no tempo da ditadura, foi jornalista, fechava o jornal madrugada fora dentro, numa correria louca para não perder os comboios que levavam o jornal para a província, hoje sabemos que os jornais cada vez estão mais pobres, arrastam-se num amontoado reles de notícias inventadas pelas redes sociais, copiadas pelos estagiários, em que se nota à vista desarmada que de há muito, foram perdidos os princípios… e assim sendo…




1.

Donald Trump cumpriu com o que havia ameaçado. A sua Administração suspendeu o financiamento à Organização Mundial da Saúde.

O Presidente dos Estados Unidos, país que é o maior doador da OMS, acusa esta organização internacional de falhar decisões no momento adequado.

Richard Horton, chefe de redacção da revista médica The Lancet:

«A decisão do presidente Trump de suspender o financiamento à OMS é simplesmente isso - um crime contra a humanidade. Todos os cientistas, todos os profissionais de saúde, todos os cidadãos devem resistir e revoltarem-se contra esta terrível traição à solidariedade social.»

2.

A China manteve o surto de Covid-19 em segredo durante seis dias. A Associated Press  revelou o conteúdo de vários documentos que indiciam que o vírus foi mantido em segredo da população durante seis dias.

No dia 14 de janeiro, altura em que foi detetado o primeiro caso de infeção pelo novo coronavírus na Tailândia, o ministro da Comissão Nacional de Saúde da China avisou vários responsáveis, entre eles o presidente, Xi Jinping, para o possível cenário de pandemia através de uma videoconferência.

Mas o presidente da China só alertou a população para a gravidade do vírus no dia 20 de Janeiro, seis dias depois e nessa altura mais de 3000 mil pessoas já tinham sido infectadas

3.

O número de trabalhadores abrangidos pela medida de lay-off simplificado, lançada pelo Governo para responder à pandemia de Covid-19, abrange actualmente já mais de 930 mil trabalhadores. O número de desempregados situa-se nos 353 mil.

4.

Os negros números:

Portugal regista 599 mortos.

O número de vítimas mortais em França, subiu para 17.167, a Itália regista 21.465 mortos.

Em Espanha já morreram 18.579 pessoas, na Grã-Bretanha 12.868 mortos, enquanto os Estados Unidos chegaram ao número de 25.757 óbitos. Só em Nova Iorque já se registaram 7.905 mortes.

5.

João Lopes no seu Covid-20:

«Tradicionalmente, define-se o jornalismo como a profissão, a arte ou a missão de dar conta da realidade. O que, convenhamos, envolve uma humildade equívoca. O jornalismo é também um sistema de linguagens que, conscientemente ou não, integra e contamina todas as componentes da dita realidade, não poucas vezes transfigurando as suas formas de percepção e verosimilhança. Desde meados da década de 1990, tudo isso passou a ser vivido, e bem ou mal pensado, também através da Internet, prevalecendo a ideia segundo a qual o mundo virtual seria tão só uma reconfiguração técnica do mundo clássico (?) em que vivíamos ou julgávamos viver. Chegados aqui, enfrentamos a mais gelada das evidências: a realidade integra o virtual. Como é que uma profissão, uma arte ou uma missão consegue viver perante tão cruel omnipresença?»

Legenda: João César Monteiro no dia em que soube que o Diário de Lisboa ia deixar de se publicar a partir do dia 30 de Novembro de 1990.

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