quinta-feira, 30 de abril de 2020

DIÁRIO DOS DIAS DIFÍCEIS


Há um pedacinho, de que gosto muito, no livro Blackpot de Dennis McShade, pseodónimo de Dinis Machado enquanto escritor de romances policiais:

«Ao segundo dia sentira a náusea mais intensa dos últimos anos. Vomitara tudo o que comera e mais ainda não sabia o quê. Quando olhou para o espelho, os olhos, do outro lado, disseram-lhe coisas estranhas. Por exemplo: pode-se vomitar tudo menos o medo e a solidão.»

Poder vomitar tudo menos o medo e a solidão.

É esse medo que não sai no vómito, que me percorre quando vou ouvindo algumas das medidas que o governo preparou para a entrada do país, a partir do dia 2 de Maio, no estado de calamidade.

O comando distrital de Aveiro revela que deteve, em Ovar, uma mulher de 76 anos, infectada com Covid-19, a circular na via pública e sem qualquer meio de protecção individual, máscara e luvas, violando o confinamento obrigatório.

Inconsciência? Maldade? Loucura? Indolência? Ignorância? Estupidez?

É este um dos medos que me deixa às aranhas, sem vislumbrar estratégia alguma para me defender, sentindo que a única hipótese é mesmo não sair de casa.

Será possível?

Preocupar-me é o meu signo diário.

A preocupação deu-te para lembrar aquele filme do René Clement que em português se chamou Brincadeiras Proibidas.

Esta é a música que percorre o filme.

Amanhã será outro dia.

E em verdade vos digo que, quando houver condições mínimas para zarpar, arranco por aí abaixo e só páro no «Beira-Gare» para devorar bifanas, metidas naquela molhanga que faz arregalar os olhos, e junto-lhes uma garrafa de verde Ponte de Lima estupidamente gelada.

Há caminhos que eu sei de cor.

Alguém irá dizer que aquelas bifanas são brincadeiras proibidas.

Que sejam!


1.

Por finais do ano de 2008, numa sessão solene realizada na London School of Economics, a Rainha Isabel II lançou a seguinte pergunta aos economistas aí reunidos:

«Como é que ninguém viu aproximar-se a crise?»

Ano de 2010, poderemos perguntar: «como é que ninguém viu o vírus aproximar-se?»

2.

O tempo de quarentena deu para algumas pessoas conhecerem os vizinhos dos prédios onde habitam.

Muitos, afazeres diversos, como trabalhar-sair-de-manhã-regressar-à-noite, nunca se cruzavam.

A vizinha de cima do Dudu chateia-o quando percorre a casa, pela noite, de socas ou tamancos, ou lá o que é.

- Porquê? - pergunta, sentado à mesa do café.  

Rostos que o olham, que dizem que não sabem.

- Será solidão?

3. 

Talvez a despropósito, este poema de Leonard Cohen:

«Pergunto-me quanta gente nesta cidade
vive em apartamentos mobilados.
Altas horas da noite quando olho os outros prédios
juro que vejo um rosto em cada janela
que me olha também
e quando volto para dentro
pergunto-me quantos se sentam às suas escrivaninhas
e escrevem isto mesmo»

4.

Será que vai chover amanhã?

Importa assim tanto?

Sobre isso Rui Manuel Amaral tem uma opinião:

«As previsões meteorológicas interessam-me pouco. Pelo menos tal como se apresentam neste momento. E porquê? Porque são escandalosamente incompletas. O boletim meteorológico só será realmente útil quando incluir as previsões sobre o tempo que fará dentro de nós: sol ou chuva; céu limpo, neblina ou nevoeiro; o estado do mar no meu norte e no meu sul.»

5.

De acordo com o New York Post foram descobertos entre 40 e 60 corpos, empilhados, dentro dos veículos, mas também no chão das instalações da própria funerária. O alerta foi dado depois de vários moradores darem conta de um odor desagradável, provocado pelo facto de os corpos estarem armazenados naquele local há várias semanas.

6.

À vista desarmada, parece existir uma série de empresas que, dado os lucros, que foram registando, não deveriam recorrer ao lay-off.

Apenas as empresas em dificuldades deveriam ter esse direito.

O governo tem mecanismos que evitem estas trafulhices?

Duvida-se.

Quem ainda acredita que depois desta pandemia passaríamos a ter novos e decentes procedimentos, que tire o cavalinho da chuva.

Digo-o com mágoa!

7.

O Conselho Nacional de Saúde classificou de irresponsáveis, criminosas e genocidas as ações do Presidente Jair Bolsonaro, face à pandemia da Covid-19  e apelou ainda a que a população brasileira mantenha o isolamento social como medida preventiva contra a Covid-19, ao contrário do defendido por Jair Bolsonaro.

8.

Os negros números:

As mortes provocadas pela pandemia nos Estados Unidos registam 60.999 mortos.

 Portugal regista 989 óbitos.

Itália: 27.967 mortos
Grã-Bretanha: 26.771 mortos
Espanha: 24.543 mortos
França: 24.376 mortos

Em todo o mundo já morreram 231.808 pessoas.

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