segunda-feira, 20 de abril de 2020

ALGUÉM LHES DIRÁ O QUE SOFREMOS...


Encontrei caixas de charutos com uma quantidade enorme de fotografias, papeladas, autocolantes, sei lá mais o quê. Não sou coleccionador de nada em especial, sou um mero ajuntador de lixo que hoje tenho muitas dificuldades em saber das razões de ter sido guardado.

Fotografias de manifestações do 25 de Abril, do 1º de Maio, e também fotografias de alguns murais que, depois do 25 de Abril, foram sendo pintados nas ruas de Lisboa.

Vou pegar nas fotografias dos murais, as fotografias são muito más…

Se a máquina fotográfica que hoje utilizo não é grande espingarda, a daquele tempo era mesmo de última gaveta.

Deste modo ficaremos até à chegada da tal madrugada que se esperava, o dia inicial, inteiro e limpo: as fotografias dos murais, um textinho e algumas das canções que ouvíamos antes do Dia das Surpresas.

Os fins de tarde, gintonicando, nas mesas de mármore negro do «British-Bar».

 - O que vocês têm dificuldade em reconhecer é que foram felizes durante o fascismo.

- Deixa-te de parvoíces, o mínimo que posso admitir que digas é que fomos felizes contra o fascismo.

Muitas daquelas conversas não conduziam a nada, mas tinham alguma coisa em que valia a pena agarrar.


Um país irrespirável, gente generosa que acreditava, em que nos respeitávamos, apesar de pontuais divergências.

Depois… muitos ficaram no mesmo lado, outros a escolherem o lado que entenderam escolher, outros ainda, que se desgostaram, ficaram no meio para assim poderem ver um qualquer lado e terminaram na sombra de um estranho vazio.

Como canção, escolhi «Pra que não Digam que não Falei de Fores» de Geraldo Vandré, 2º lugar no Festival Internacional da Canção de 1968, proibida no Brasil, sem passagem na rádio portuguesa, discos que chegavam clandestinos a Lisboa e acompanhavam as nossas noites de conversa.

Palavras fortes como «quem sabe faz a hora, não espera acontecer» e «nos quartéis lhes ensinam antigas lições, de morrer pela pátria e viver sem razão.»


Legenda: o título é tirado de um poema de Egito Gonçalves.

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