Sexta-feira,
dita de Paixão.
Por causa de um
vírus, a Páscoa deste ano será diferente.
A fé é um
tormento, dizem.
«Morrer é só não ser visto», escreveu o poeta.
Nos dias que correm
quanta dor, quanta fome, quanto abandono?
«Meu Deus, meu Deus por que me abandonaste?»
Li a Bíblia,
volto lá algumas vezes, mas, como houve autores (Albert Camus, Bertrand
Russell, entre outros) que me fizeram ver que aquela história, pode estar muito
bem contada, mas não tem pernas para andar.
Respeito a fé, as crenças, tudo, de quem entenda a isso dedicar-se.
Gostaria que
respeitassem o facto de não frequentar deuses, mas não acontece facilmente.
«Só Deus sabe da tranquilidade do meu ateísmo e do
respeito que tenho pela fé dos outros.»
A fé será mesmo
um tormento?
Fica-te por aqui,
não abras janelas que depois não consigas fechar.
Quem tem olhos
que veja, quem tem ouvidos que ouça.
Lembra-te que um
dia alguém te disse que há quem procure pedras para atirar e quem as procure
para construir.
Deixa que os
poetas contem as coisas melhor do que tu poderias fazer.
E por estes dias
regista apenas o essencial, não te alongues muito, e também faz por pensar, tal
como José Saramago deixou num final de livro: «No dia seguinte ninguém
morreu» e enquanto os dias forem de Paixão, faz por esquecer os negros
números, é difícil, mas faz isso.
Já agora, como
vais tendo todo o tempo do mundo, terás de contar a história de como
procuraste, e encontraste, a música que hoje vais colocar aqui.
Rogo
Não, não rezes por mim.
Nenhum deus me perdoa a humanidade.
Vim sem vontade
E vou desesperado.
Mas assinei a vida que vivi.
Doeu-me o que sofri.
Fui sempre o senhorio do meu fado.
Nenhum deus me perdoa a humanidade.
Vim sem vontade
E vou desesperado.
Mas assinei a vida que vivi.
Doeu-me o que sofri.
Fui sempre o senhorio do meu fado.
Por isso, quero a morte que mereço.
A morte natural,
Solitária e maldita
De quem não acredita
Em nenhuma oração
De salvação.
De quem sabe que nunca ressuscita.
A morte natural,
Solitária e maldita
De quem não acredita
Em nenhuma oração
De salvação.
De quem sabe que nunca ressuscita.
Miguel Torga
«Também eu já me sentei algumas vezes às portas do crepúsculo, mas
quero dizer-te que o meu comércio não é o da alma, há igrejas de sobra e
ninguém te impede de entrar. Morre se quiseres por um deus ou pela pátria, isso
é contigo; pode até acontecer que morras por qualquer coisa que te pertença,
pois sempre pátrias e deuses foi propriedade apenas de alguns, mas não me peças
a mim, que só conheço os caminhos da sede, que te mostre a direção das
nascentes.»
Eugénio de Andrade
Os Justos
«Começam o dia
louvando o imperfeito
O tempo que se inclina para o lado partido
as escassas laranjas que se tornam
amarelas no meio da palha
as talhas sem vinho
O tempo que se inclina para o lado partido
as escassas laranjas que se tornam
amarelas no meio da palha
as talhas sem vinho
Olham por dentro a
brancura da manhã
e em tudo quanto auxilia um homem no seu ofício
louvam o vulnerável e o inacabado
Estão sentados à soleira dos espaços
trabalhados devagar pelo silêncio
e em tudo quanto auxilia um homem no seu ofício
louvam o vulnerável e o inacabado
Estão sentados à soleira dos espaços
trabalhados devagar pelo silêncio
Quando Deus voltar
não terá de arrombar todas as portas»
não terá de arrombar todas as portas»
José Tolentino Mendonça
1.
Marcelo Rebelo de Sousa deixou hoje a indicação de que o
estado de emergência, até 1 de Maio, deverá manter-se.
2.
Após longa reunião, o Eurogrupo deu 540 mil milhões aos
países membros para mitigar as dificuldades decorrentes do Covd-19.
No fim, bateram-se palmas.
Palmas.
Não sei bem por quem… porquê…
3.
As inscrições diárias nos centros de emprego duplicaram
face a 2019.
Há 4.098 novos desempregados por dia. Despedimentos
coletivos disparam em Abril e a «lay-off» já abrange 40 mil empresas.
4.
Hart Island, no estado de Nova Iorque, a cerca de 25
quilómetros do centro da cidade, é uma ilha utilizada para sepultar as pessoas
que não são reclamadas pela família, está a ser utilizada para enterrar as
vítimas do Covid-19.
Os enterros, que antes ocorriam semanalmente, agora
acontecem cinco vezes por semana.
Os caixões são colocados numa espécie de vala comum.
Nova Iorque é o estado mais afectado com mais de 5.000
mortos e 160 mil casos de pessoas infectadas.
5.
«Não merecemos
muito respeito como espécie.»
José
Saramago
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