domingo, 19 de abril de 2020

DIÁRIO DOS DIAS DIFÍCEIS


José Milhazes, comentador político na SIC, escreveu num destes dias:

Em vez de celebrar de forma atabalhoada o 46º aniversário do 25 de Abril, seria mais sensato transferir as comemorações para quando a pandemia estiver dominada, e realizá-las no dia 25 de Novembro.

Os muitos Josés Milhazes que esperneiam por aí, respiram uma demência senil para a qual ainda não foi encontrada vacina.

Este José Milhazes nasceu em 1958, foi militante do PCP, estudou História na então União Soviética, doutorou-se e por ali viveu uns bons anos.

Nunca fui de grandes viagens, e se aconteceram foi por motivos profissionais.

Há uma série de países que gostava de visitar, mas a União Soviética está completamente fora de questão.

Era miúdo quando aconteceu a invasão da Hungria, já não era miúdo nenhum quando aconteceu a invasão da Checoslováquia e isso, com boas ou más fontes que me passaram pelos olhos, chegou para deixar escorregar os amanhãs que um dia poderiam vir a ser cantados.

Sobre a invasão da Checoslováquia tive longas conversas com o meu pai, que era um convicto marxista-leninista, discussões bem acompanhadas por tintos de colheita do ano, nunca grandes vinhos-para-enganar-burguês.

 Não que o meu pai concordasse com tudo o que se passava na União Soviética, ou que o socialismo estava à disposição numa qualquer loja de esquina, mas guardava convicções que o levavam a ser um homem daquele sonho.

Sou de esquerda mais por Roger Vailland, Albert Camus, Roger Martin du Gard, os neo-realistas italianos, portugueses, outras leituras, do que por Marx, Engels ou Lenine, não lidos na íntegra, sou de esquerda porque é uma maneira de ser, como dizia o José Saramago.

Bastas vezes chateio-me com o Partido, entendo que lêem pouco, dizem, praticam coisas que não consigo entender, mas li a Autobiografia de Mário Dionísio, de quem gosto muito, e por lá está escrito que os erros dos nossos amigos não podem fazer-nos esquecer os nossos inimigos.

Bom, mas eu vim aqui pelo disparate do José Milhazes e acabei por me meter por ruas, travessas e becos, mas o que queria dizer realmente é que para um fulano que se formou em História, mesmo que tivesse sido na União Soviética, não calha bem dizer que a gente do 25 de Abril comemora o 25 de Novembro.

Equívocos, ou habilidades, palavras suaves, que servem para continuar a enganar quem não pensa pela sua cabeça, ou tem preguiça em assim pensar.

Por aqui me fico e é tempo de escolher a música.

Porque é domingo, e como andámos por aqueles lados, ficamos com a Valsa nº 2 de Shoskatovich.

1.

«O mercado de trabalho português é marcado pelos baixos salários e pela precariedade (em 2018, mais de um terço dos trabalhadores do privado tinha um contrato de trabalho não permanente e 76% do emprego líquido criado no privado nos últimos seis anos assentou em vínculos precários). São estes os trabalhadores mais vulneráveis.

Do mesmo modo, a dinâmica de emprego dos últimos anos traz consigo elementos de fragilidade. Entre 2013-19 foram criados 500 mil postos de trabalho, entre os quais 75 mil no sector do alojamento e restauração. Empregos que, agora, ficarão muito expostos a este choque brutal de procura. Os dados preliminares dão conta de que nestas semanas, neste sector, 62% das empresas encerraram temporária ou definitivamente.»

Pedro Adão e Silva

2.

A afirmação de Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia de que os velhos deveriam manter-se isolados até ao final do ano, deixou-me em polvorosa.

A deputada do Partido Socialista Isabel Moreira, escreve sobre esta ideia da senhora presidente, no Expresso:

«Simplesmente, sabemos que a partir de um determinado momento vamos começar, lentamente, a fazer a nossa vida em novos moldes. Nada será como antes. Ainda não sabemos como decorrerão os dias após o isolamento sem vacina, mas certamente teremos de nos proteger e de proteger terceiros, tentando que saúde e vida mais ou menos habitual se conjuguem, porque precisamos de sair disto com um país de pé.

Precisamos, também, de sair disto como gente. Todas as pessoas precisam de ver as suas pessoas, todas as pessoas precisam de passear, ainda que com restrições, todas as pessoas precisam de algum sentido de normalidade.

O que não é normal é o discurso da clausura dos idosos por tempo indeterminado como se gente acima de certa idade, que vive em contextos muito diferenciados, não tivesse autonomia individual, autodeterminação, capacidade de tomar decisões, incluindo a capacidade de escolher quais os riscos de saúde que quer ou não assumir.

Não se pode esperar com enorme tranquilidade que homens e mulheres acima de 65 anos fiquem fechados em casa ou em lares por meses e meses, sem direito ao mundo exterior, sem direito ao afeto, sem direito a escolher. Quando estivermos em período de regresso à normalidade, as pessoas idosas não podem ser condenadas a morrer da precaução. Pelo contrário, temos de as respeitar enquanto cidadãos e cidadãs capazes de fazerem as suas escolhas, livres naquilo que não afete terceiros, gente que ainda quer ser gente.»

3.

Um homem de 26 anos morreu, na tarde deste domingo, vítima de agressões com uma arma branca, ocorridas no bairro da Brandoa, na Amadora. Os dois alegados autores do homicídio foram detidos no local.

4.

Os negros números:

Em Portugal morreram 714 pessoas.

Os Estados Unidos registam 38.664 mortos, no estado de Nova Iorque ocorreram 14.451 mortes.

Itália: 23.660 mortos
Espanha: 20.453 mortos
França: 19.718 mortos
Grã-Bretanha: 16.060 mortos


Em todo o mundo já morreram 164.716 pessoas.

Legenda: contracapa do catálogo da Cinemateca, Imagens, Abril 1984

4 comentários:

Luis Eme disse...

É através destas sugestões estúpidas, que se percebe que ainda há quem olhe para o 25 de Abril de lado, Sammy.

O CDS apoiaria a ideia, assim como algum PSD e PS, por mais absurda que seja, até para quem fez o 25 de Novembro...

Seve disse...

Este José Milhazes fala com a boa cheia de nada, parece o Vata.

Sammy, o paquete disse...

Falam tanto do 25 de Novembro, da sua importância, isto e aquilo mas, que me lembre, nunca fizeram um desfile comemorativo da data.

Sammy, o paquete disse...

Caro Seve, não gosto de golos com a mão mas, a carne é fraca, aquela mão do Vata deu um certo jeito, não deu depois para ganhar a taça mas isso já é outra parte da história.
Abraço