sábado, 4 de abril de 2020

ANTOLOGIA DO CAIS


Para assinalar os 10 anos do CAIS DO OLHAR, os fins-de-semana estão guardados para lembrar alguns textos que por aqui foram publicados.

O SENTAR À PORTA

O Dudu, alentejano de Nisa, de uma simplicidade exasperante, conferente marítimo de exemplar competência, prestava assistência às cargas e descargas da Agência.

Num Verão, o comandante da Agência, que supervisionava o trabalho da companhia de estiva, foi passar uma semana de férias para uma habitação de turismo rural, perto de Nisa.

Por um findar de tarde, encontrou o Dudu na praça de Nisa, e murmurou para dentro de si mesmo, que o Dudu se sentiria feliz e honrado, se o convidasse para umas cervejas e um pouco de conversa.

O Dudu vacilou ligeiramente, mas acabou por dizer:

Oh! Sr. Comandante! honra-me muito o convite, agradeço-lhe do fundo do coração, mas agora vou até casa, tomar um duche e depois sentar-me porta…

O alentejano define-se pela solidão, o sentar à porta é aquilo que mais preza, o parar do tempo, a contemplação, no findar de uma tarde de Verão, o calor do vento, o canto dos ralos, dos grilos, a sombra da porta, o silêncio, o voo rasante da passarada, a luz das grandes tardes de sol a cair para lá do horizonte.

Um requintado prazer, uma filosofia.

A porta é o mundo dos alentejanos, escreveu Álvaro Guerra.

Algo que o Comandante, lisboeta e médio burguês, não entendeu lá muito bem: o Dudu, alentejano, conferente marítimo, trocar umas cervejas mais a converseta, por essa coisa de se sentar à porta, no bafo tépido do cair da tarde alentejana…

Texto publicado em 23 de Agosto de 2014

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