Para
assinalar os 10
anos do CAIS DO OLHAR, os fins-de-semana estão guardados para lembrar
alguns textos que por aqui foram publicados.
O SENTAR À
PORTA
O Dudu,
alentejano de Nisa, de uma simplicidade exasperante, conferente marítimo de
exemplar competência, prestava assistência às cargas e descargas da Agência.
Num Verão, o
comandante da Agência, que supervisionava o trabalho da companhia de estiva,
foi passar uma semana de férias para uma habitação de turismo rural, perto de
Nisa.
Por um findar
de tarde, encontrou o Dudu na praça de Nisa, e murmurou para dentro de si mesmo,
que o Dudu se sentiria feliz e honrado, se o convidasse para umas cervejas e um
pouco de conversa.
O Dudu
vacilou ligeiramente, mas acabou por dizer:
Oh! Sr. Comandante! honra-me muito o
convite, agradeço-lhe do fundo do coração, mas agora vou até casa, tomar um
duche e depois sentar-me porta…
O alentejano
define-se pela solidão, o sentar à porta é aquilo que mais preza, o parar do
tempo, a contemplação, no findar de uma tarde de Verão, o calor do vento, o
canto dos ralos, dos grilos, a sombra da porta, o silêncio, o voo rasante da
passarada, a luz das grandes tardes de sol a cair para lá do horizonte.
Um requintado
prazer, uma filosofia.
A porta é o mundo dos alentejanos, escreveu Álvaro Guerra.
Algo que o
Comandante, lisboeta e médio burguês, não entendeu lá muito bem: o Dudu, alentejano,
conferente marítimo, trocar umas cervejas mais a converseta, por essa coisa de
se sentar à porta, no bafo tépido do cair da tarde alentejana…
Texto
publicado em 23 de Agosto de 2014
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