segunda-feira, 6 de abril de 2020

DIÁRIO DOS DIAS DIFÍCEIS


Chegamos? Não chegamos?

O aproximar da janela, olhar o andar lento do tempo, o ter que suportar a angústia dos dias, o desencontro dos afectos, saber também,  como dizia o filósofo que nenhum vento sopra a favor de quem não sabe para onde ir.

Chegamos? Não chegamos?
Num seu poema, Sebastião da Gama conta-nos de uma viagem, tempestade sobre tempestade, em que a vela se rasgou em fitas, o casco no fundo mar, o mar que o
diga, dobrar as tormentas, a luta por chegar ao destino, talvez com alguns ossos partidos, mas chegar.
«Basta dizer que eu cheguei
E que é de lá que vos falo.»
Escolhemos Erik Satie, as Gymnopédies, nr. 1 e nr, 3, para este findar de segunda-feira, cinzenta e triste, todo o dia uma chuva peganhenta, um frio que se enrola nos ossos e de lá não quer sair.

A pintura, no topo do texto, é de Leonid Pasternak.



1.

Uns dias atrás já vos disse que tenho andado a largar a televisão que, por causa do Covid-19, passei a frequentar mais do que antes da pandemia.

O governo de António Costa está referido como sendo de centro-esquerda, diga-se mais do centro do que da esquerda.

De esquerda me considero e, dentro da tragédia que vivemos, não me parece justo assistir nas televisões ao aparecimento de uma série de gente-histérica-especialistas-de-tudo-e-mais-algum-coisa, a bradar que faltam máscaras, faltam luvas, faltam zaragatoas, falta álcool, falta gel desinfectante, falta isto e aquilo, e a culpa pertence ao governo.

Certo que o governo cometeu erros, principalmente teve, em determinados tempos, algumas hesitações, mas quem, nestes terríveis dias por que o mundo passa, não cometeu erros, que país estava preparado para o que aconteceu?

Olhe-se a Itália, a Espanha, a Grã-Bretanha, a França, os Estados Unidos.

Claro que os governos deviam estar preparados, mas passámos os dias globalizantes dos últimos quotidianos,  mais preocupados com as nossas vidinhas do que com o resto, ou como dizia, numa canção que lançou recentemente, Bob Dylan:

«Milhares estavam assistindo, mas ninguém viu nada!»

Quando, e como, sairmos desta crise, tão longo que vai ser o Inverno, será o tempo de enfrentarmos uma economia completamente devastada e nunca será o tempo de discutirmos o sexo doas anjos.

Ainda não chegou o tempo de começarmos a ter juízo?

2.

Rui Rio afirmou esperar que a reunião do Presidente da República com os banqueiros sirva como um abanão para escaparem à tentação de lucrar ou esganar as empresas nas respostas à crise provocada pela covid-19.

Porque ninguém confia nos banqueiros.

E há fortes razões para que isso aconteça.

Diz o povo, para além de outras coisas,  que um banqueiro  é um senhor que nos empresta um guarda-chuva num dia de sol e nos pede de volta quando começa a chover.

3.

Marcelo Rebelo de Sousa teve uma reunião com os banqueiros portugueses e deixou uma garantia:

«Encontrei na banca mobilização para ajudar a economia portuguesa».

4.

Ao fim destes dias de confinamento devido à pandemia de covid-19, os efeitos do afastamento social que atinge uma parte considerável da população começam a fazer-se sentir.

Que consequências poderão estas medidas trazer em termos de saúde, mental e não só?, lia-se em  título no Diário de Notícias.

5.

«Vivemos o impensável da morte, arrastado pela ânsia humana de salvar vidas. E não estávamos preparados para tanto. Não o poderíamos estar através das vivências da cultura dominante da gratificação imediata, imediatamente repetida, dos nossos circuitos virtuais — um polegar ao alto, "toca-e-foge", algo se há-de seguir, sobretudo algo que nos mantenha nesta espectacular ilusão global de sermos peças e comandos de um motor impossível de parar.
Dirá o bom senso que este não é o momento de pensar isso, uma vez que a salvação das vidas é a prioridade absoluta.
Claro que sim — a vida, a maravilhosa e difícil arte de viver. Mas o que o bom senso assim diz é também que haverá sempre algum desvio, mais ou menos cruel, mais ou menos pueril, para que isso não seja pensado.»

João Lopes no seu Covid-20

6.

Os negros números:

Itália

16.523 mortes

Espanha

13.169 mortes

Estados Unidos

10.335 mortes

França

8.911 mortes

Grã-Bretanha

5.573 mortes

Irão

3.739 mortes

China

3.212 mortes

Alemanha

1.434 mortes

Portugal

311 mortes

Mundo

73.917 mortes

7.

«Talvez saibamos ainda pouco sobre esse misterioso pa´s que são as nossas lágrimas».

José Tolentino Mendonça em Uma Beleza Que Nos Pertence

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