Chegamos? Não
chegamos?
O aproximar da
janela, olhar o andar lento do tempo, o ter que suportar a angústia dos dias, o
desencontro dos afectos, saber também,
como dizia o filósofo que nenhum vento sopra a favor de quem não sabe
para onde ir.
Chegamos? Não
chegamos?
Num seu
poema, Sebastião da Gama conta-nos de uma viagem, tempestade sobre tempestade,
em que a vela se rasgou em fitas, o casco no fundo mar, o mar que o
diga,
dobrar as tormentas, a luta por chegar ao destino, talvez com alguns ossos
partidos, mas chegar.
«Basta dizer que eu cheguei
E que é de lá que vos falo.»
Escolhemos Erik Satie, as
Gymnopédies, nr. 1 e nr, 3, para este findar de segunda-feira, cinzenta e triste,
todo o dia uma chuva peganhenta, um frio que se enrola nos ossos e de lá não quer sair.A pintura, no topo do texto, é de Leonid Pasternak.
1.
Uns dias atrás já vos
disse que tenho andado a largar a televisão que, por causa do Covid-19, passei
a frequentar mais do que antes da pandemia.
O governo de António
Costa está referido como sendo de centro-esquerda, diga-se mais do centro do
que da esquerda.
De esquerda me
considero e, dentro da tragédia que vivemos, não me parece justo assistir nas
televisões ao aparecimento de uma série de gente-histérica-especialistas-de-tudo-e-mais-algum-coisa,
a bradar que faltam máscaras, faltam luvas, faltam zaragatoas, falta álcool,
falta gel desinfectante, falta isto e aquilo, e a culpa pertence ao governo.
Certo que o governo
cometeu erros, principalmente teve, em determinados tempos, algumas hesitações,
mas quem, nestes terríveis dias por que o mundo passa, não cometeu erros, que
país estava preparado para o que aconteceu?
Olhe-se a Itália, a Espanha,
a Grã-Bretanha, a França, os Estados Unidos.
Claro que os governos
deviam estar preparados, mas passámos os dias globalizantes dos últimos
quotidianos, mais preocupados com as
nossas vidinhas do que com o resto, ou como dizia, numa canção que lançou
recentemente, Bob Dylan:
«Milhares estavam assistindo, mas ninguém viu nada!»
Quando, e como,
sairmos desta crise, tão longo que vai ser o Inverno, será o tempo de
enfrentarmos uma economia completamente devastada e nunca será o tempo de
discutirmos o sexo doas anjos.
Ainda não chegou o
tempo de começarmos a ter juízo?
2.
Rui Rio afirmou esperar
que a reunião do Presidente da República com os banqueiros sirva como um abanão para escaparem à tentação de
lucrar ou esganar as empresas nas
respostas à crise provocada pela covid-19.
Porque ninguém confia
nos banqueiros.
E há fortes razões
para que isso aconteça.
Diz o povo, para além
de outras coisas, que um banqueiro é um senhor que nos empresta um guarda-chuva
num dia de sol e nos pede de volta quando começa a chover.
3.
Marcelo Rebelo de
Sousa teve uma reunião com os banqueiros portugueses e deixou uma garantia:
«Encontrei na banca mobilização para ajudar a economia portuguesa».
4.
Ao fim destes dias de
confinamento devido à pandemia de covid-19, os efeitos do afastamento social
que atinge uma parte considerável da população começam a fazer-se sentir.
Que consequências poderão estas medidas trazer em termos de saúde,
mental e não só?, lia-se em título no Diário de Notícias.
5.
«Vivemos o impensável da morte, arrastado pela ânsia humana de salvar
vidas. E não estávamos preparados para tanto. Não o poderíamos estar através
das vivências da cultura dominante da gratificação imediata, imediatamente repetida,
dos nossos circuitos virtuais — um polegar ao alto, "toca-e-foge",
algo se há-de seguir, sobretudo algo que nos mantenha nesta espectacular ilusão
global de sermos peças e comandos de um motor impossível de parar.
Dirá o bom senso que este não é o momento de pensar isso, uma vez que a
salvação das vidas é a prioridade absoluta.
Claro que sim — a vida, a maravilhosa e difícil arte de viver. Mas o
que o bom senso assim diz é também que haverá sempre algum desvio, mais ou
menos cruel, mais ou menos pueril, para que isso não seja pensado.»
João Lopes no seu Covid-20
6.
Os negros números:
Itália
16.523 mortes
Espanha
13.169 mortes
Estados Unidos
10.335 mortes
França
8.911 mortes
Grã-Bretanha
5.573 mortes
Irão
3.739 mortes
China
3.212 mortes
Alemanha
1.434 mortes
Portugal
311 mortes
Mundo
73.917 mortes
7.
«Talvez saibamos
ainda pouco sobre esse misterioso pa´s que são as nossas lágrimas».
José Tolentino Mendonça em Uma Beleza Que Nos Pertence
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