sexta-feira, 17 de abril de 2020

DIÁRIO DOS DIAS DIFÍCEIS


Não sou dos que se ofendem com a palavra «velho».

Gosto mais do que «idoso», ou «terceira idade».

A minha avó Brígida, amiúde, a propósito de tudo dizia: «velhos são os trapos!»

Pois é: mas estou velho.

E esse pormenor faz realçar, ainda mais, aquilo que sempre fui: um chato!

Talvez por velho e chato, não gostei da leviandade com que, primeiro-ministro e presidente da república, abordaram a entrada no terceiro estado de emergência que durará até ao dia 2 de maio.

Não gostei porque entendo - é provável que existam razões que não alcanço – que isso apela a um facilitismo que é provável que traga amarguras várias.

Desde que tudo isto começou, acordo de credo na boca e, no decorrer das restantes horas do dia, passo sérias dificuldades para, em cada poente, tentar esquecer as aflições e nem sequer estou a pensar, para já, na crise económica que se há-de abater aqui pelo pedaço.

A frase pertence a William Faulkner, mas não sei onde, agora, posso confirmar essa autoria:

"Dir-se-ia que o homem pode aguentar tudo,
até a ideia de que não pode aguentar mais."

Dizem que é importante dar confiança aos portugueses mas olha-se para Eduardo Cabrita, ministro da Administração Interna e dali pode sair tudo menos confiança.

Como música incidental do dia de hoje, a excpecional reinvenção do Concerto de Aramjuez de Joaquin Rodrigo, feita por Miles Davis.



1.

Mais de 52 mil pessoas já pediram subsídio de desemprego à Segurança Social desde o início do estado de emergência. o número de subsídios de desemprego atribuídos em Portugal pode aumentar 29%, para um total perto dos 230 mil beneficiários.

No final do ano de 2019 tínhamos uma taxa de desemprego de 6,5% e os recentes indícios fazem prever que o país pode atingir os 13,9%

2.

O Governo decidiu impor um limite máximo de 15% no lucro que pode ser obtido através da venda de dispositivos médicos e de equipamentos de protecção, como máscaras, álcool etílico ou gel desinfectante.
Na semana passada, a ASAE anunciou que tinha detectado uma empresa de venda de acessórios e reparações de telemóveis em Lisboa a comercializar álcool gel com margens de lucro que oscilavam entre os 300% e os 400%.

3.

Diário de Notícias e TSF, outras publicações da Global  Media entram em lay off a partir de segunda-feira.

4.

A Assembleia Geral anual da EDP aprovou a proposta da administração de distribuir um dividendo de 19 cêntimos brutos por acção, face ao ano de 2019, o que representa uma quantia total de 694,7 milhões de euros a ser paga aos accionistas.

O Sindicato do sector denunciou que a EDP tem colocado entraves à negociação da tabela salarial com os trabalhadores mas que em plena pandemia tem mais de 600 milhões de euros para distribuir lucros aos accionistas.

Também na Galp se perspectiva o pagamento de 318 milhões de euros em lucros aos accionistas. A mesma empresa, cuja Assembleia Geral reunirá a 24 de Abril, já despediu este mês, só na Refinaria de Sines, mais de 80 trabalhadores com vínculos precários.

5.

Psicólogos alertam para o risco de aumento do jogo compulsivo, consumo de álcool e tabaco.

6.

Até agora foram libertados as cadeias portuguesas 1.181 reclusos

7.

A frase é de Ferreira Fernandes:

«Um dos mais extraordinários fenómenos políticos dos tempos modernos é Donald Trump ser presidente da democrática América.»

Donald Trump está no fio da navalha pela falta de preparação, a plena desorientação revelada perante o Covd-19 e a tragédia que se abateu pelo país, e trata de acusar os jornais, rádios e televisões, os governadores dos estados, os congressistas democratas, a Organização Mundial de Saúde e vá de lhe suspender o financiamento.

O britânico The Guardian colocou em título:

«Trump volta-se contra a OMS para encobrir os seus imensos falhanços na crise da Covid-19»

8.

Os negros números:

Os Estados Unidos são actualmente o país com mais óbitos no mundo, cerca de 33 mil pessoas mortas. Em Nova Iorque já morreram 1.477 pessoas.

Na Europa a Itália apresenta 22.745 mortos, seguindo-se a Espanha com 19.613 mortos, a França com 18.681 e a Grã-Bretanha com 14. 576.

Portugal regista 657 óbitos.

Em todo o mundo já morreram 150.948 pessoas.

9.

José Gomes Ferreira que, juntamente com outros autores, nestes dias cruéis me tem acompanhado:

«Só este silêncio que nos impele
Para o abismo de solidão
Que temos na pele.»

2 comentários:

Luis Eme disse...

Dessas palavras a "idoso" é a que parece mais esquisita.

O pior de tudo é esta quase condenação a "prisão domiiciliária", a quem tem mais de 70 anos... Sammy.

Não ajuda nada a viver. É normal que muitos velhos não obedeçam aos filhos e queiram sair de casa, para ver coisas tão simples com o rio ou o mar...

Sammy, o paquete disse...

Desesperante.
A mãe da Aida, após uma longa e difícil doença, morreu no dia 29 de Fevereiro. Os cuidados com a sua doença, limitaram muito o nosso quotidiano. Quando esperávamos, agora, ir tentar passar os primeiros dias do resto das nossas vidas, como canta o Sérgio Godinho, levamos com o Covid-19.
Das primeiras coisas a cumprir seria atravessar o rio, tentar um encontro com o Luís, trocar umas larachas, à volta de uns berbigões, que já não são como antigamente mas também não é o mais importante.
Porque Cacilhas, o rio, nos tempos difíceis de outros tempos, era o nosso escape.
Vida muito difícil e um domingo por mês, ir almoçar ao «Grande Elias», e quem nos servia, em tempo de chegar os cafés, dizer: «um bagacinho para o senhor, um anizinho para a senhora, oferta da casa».
Mas havemos de voltar a Cacilhas.