sábado, 11 de abril de 2020

ANTOLOGIA DO CAIS


Para assinalar os 10 anos do CAIS DO OLHAR, os fins-de-semana estão guardados para lembrar alguns textos que por aqui foram publicados.

COISAS EXTINTAS OU EM VIAS DE EXTINÇÃO...




Voo TP 602 de Lisboa para Copenhaga no dia 3 de Julho de 1994.

Pintura de Francisco Relógio para a capa da ementa servida, em classe executiva, por aqueles tempos, a bordo dos aviões da TAP.

Hors d’oeuvre

Salmão fumado
Alcachofra fiorentina

Entrée

Lagosta suada Cabo da Roca
Arroz branco

Dessert

Queijo – Crackers
Bolo Império

Apesar dos nomes pomposos, não passava de puro e mero catering, e o vinho branco, não estava à temperatura, minimamente exigível.

Gosto de viajar de barco e de comboio.

Os aviões não fazem o meu género.

Sei que morre mais gente em acidentes de viação, e outros, do que em desastres de aviação.
Não é bem uma questão de medo, é uma outra coisa qualquer, e sempre que viajei de avião, foi por exigências profissionais.

Nunca gastaria um cêntimo do meu bolso para viajar de avião e já cheguei a uma idade em que quase posso dar a afirmação por definitiva.

O único interesse por aviões limitou-se ao gosto de os ver levantar e descer na Portela, o tempo em que isso era um espectáculo dominical dos meus tempos de infância
.
Sim os aviões estavam guardados para os domingos de Verão, quando o futebol estava no chamado defeso e não havia jogos.


Os domingos do meu avô, os meus também, regulavam-se por haver, ou não, jogos no Estádio da Luz.


Na Praça do Chile apanhávamos, para a Portela, aqueles autocarros verdes, de dois andares, e por ali ficávamos a ver os aviões.

O aeroporto não era o que hoje é, e o movimento de aviões era diminuto.

No edifício havia uma esplanada, com grandes chapéus-de-sol, que se viam cá de baixo, do gradeamento que limitava a pista. Adivinhavam-se mulheres com vestidos vaporosos às ramagens, homens de fato e gravata, a beberem o seu chá, o seu café, a sua limonada ou o seu “whisky”.

Penso que assim era, pois nunca cheguei a subir até lá.

Não consigo situar bem quando a TAP começou a deixar de ser uma companhia de aviação, elogiada pelo mundo fora, para passar a ser o que hoje é.

Quando viajar de avião ainda tinha um pouco de charme e glamour.

Os tempos em que havia a possibilidade de escolher lugares entre fumadores e não fumadores.
Prazeres de outro século... claro está!...

As viagens que fiz foram todas owner’s account. e enfiavam-me em executiva porque essas eram as directivas da agência: fosse para os membros do Conselho de Gerência, fosse para os restantes trabalhadores.

Não sei se a bordo dos aviões da TAP ainda se pratica este luxo das ementas com quadros de pintores portugueses.

Também considero que colocar a TAP em vias de extinção seja um exagero.

Talvez que a designação correcta seja… em vias de privatização.

Ainda agora Cavaco Silva & Cª Lda se passeia por destinos longínquos, na tentativa de vender as jóias da coroa que ainda restam.


TP 577 de Hamburgo para Lisboa no dia 8 de Julho 1994.

Pintura de Manuel Cargaleiro para a capa da ementa servida nesse dia:

Hor’s d’oeuvre

Salmão fumado
Salada da Estação
Entrée

Medalhões de Porco ao Molho de mostarda
Ervilhas
Batatas croquete
Dessert

Queijo – Crackers
Mousse de Chocolate.

Viajar em executiva oferece – oferecia? – um certo tipo de paneleirices.

De quando em vez, uma simpática hospedeira interrompia-me a leitura de um livro, ou do jornal, para saber se estava tudo bem, se necessitava de alguma coisa.

Mostrava o meu melhor sorriso, que é coisa nada fácil, e ficava com uma vontade doida de dizer que me deixasse em paz, que preferia que me tivessem servido comida, a saber a comida, e não aquela coisa que a comida não sabia e, rigorosamente, não sabia a nada!

Há quem goste!

Que sejam muito felizes!...

Texto publicado em 28 de Maio de 2012

2 comentários:

Seve disse...

Os domingos do meu avô, os meus também, regulavam-se por haver, ou não, jogos no Estádio da Luz.

Isto era no tempo em que o dia tinha três partes: manhã, tarde e noite...

Sammy, o paquete disse...

Acima de tudo era um tempo lento, que dava para tudo, ou qquse tudo.
Tempos difíceis, muito difíceis mesmo, mas com pormenores, gestos muito simples, mas cativantes e que deixaram memórias.