É tão estranho
que entre a avalancha de saberes úteis e inúteis que acumulamos uma vida
inteira, não esteja este: aprender a morrer.
Em cada dia que
passa está tudo tão difícil, tão difícil tão difícil…
A politicagem já
começa a falar em melhorias, mas digo o que já disse: são histórias para
camelos.
Creio que foi em
José Tolentino Mendonça que li a interrogação:
E se pensar na morte fosse a melhor maneira de dar
valor à vida?
Após uma agonia
de longos dias, soube-se, hoje, que morreu o escritor chileno Luís Sepúlveda.
Em Fevereiro,
estivera na Póvoa de Varzim a participar no Correntes d’Escrita.
No final desse
mês, regressou a Oviedo, onde vivia, tendo-lhe sido diagnosticado Covid-19.
Em Outubro de
2008 dissera a um jornalista do Diário de Notícias:
«Vivemos com a morte. Sei que vai chegar. Mas tenho uma grande sorte: não sou católico nem muçulmano nem judeu, não acredito em Deus e sei que não existe. Por isso a morte não me preocupa.
Por isso mesmo é que poderia ter medo. Quem acredita tem menos motivos para temer.
Quando a morte chegar é porque é hora de chegar. E irei dizer-lhe: vamos lá, então.»
Em Janeiro, coloquei no Olhar as Capas o último livro de Sepúlvela que li: «A Sombra do
que Fomos», um livro de que gosto mesmo.
A páginas 87 do
livro, um dos ex-exilados, protagonistas da história, por conduzir o carro em
sentido contrário, provoca um grave acidente. Sepúlveda adianta o porquê:
«Era um retornado do exílio, um homem que tinha vivido quinze anos em Praga e em sua defesa alegava que os factos tinham ocorrido no seu bairro, que toda a vida aquela rua ia de norte a sul e que não sabia quando tinha mudado de sentido. Os que voltavam do exílio andavam desorientados, a cidade não era a mesma, procuravam os seus bares e encontravam lojas de chineses, na farmácia da sua infância havia um bar de “topless”, a velha escola era agora um concessionário de automóveis, o cinema do bairro uma igreja dos irmãos pentecostais. Sem os avisarem, tinham-lhes mudado o país.»
Continua a chover.
Para completar o
ramalhete dos dias difíceis, cruéis: a morte, em Nova Iorque, do saxofonista norte-americano Lee
Konitz, também vítima do Corvid-19.
Nos mais de 70
anos de carreira, Lee Konitz tocou com todo o tipo de formações, tocava pelo
gosto de tocar, pelo amor ao jazz, mas nunca fez fortuna, «não tinha agente,
nem conta de email, mas fez do jazz um modo de vida e nunca pôs isso em risco»,
lê-se no obituário da rádio norte-americana NPR.
Lee Konitz
esteve várias vezes em Portugal, nomeadamente nos Cascais Jazz e Guimarães
Jazz. Em 2011, no dia em que completou 84 anos, actuou na Casa da Música, no
Porto, com a Orquestra Jazz de Matosinhos.
Necessariamente,
teria de ser Konitz a trazer-nos a música do dia.
1.
Nascer todas as
manhãs.
Amanhã vamos
entrar no terceiro estado de emergência que se prolongará até ao dia 2 de Maio.
Marcelo Rebelo
de Sousa disse que o governo irá criar alguma leveza nas medidas que têm
vigorado nos últimos tempos, mas que não é para abusar.
Não estou a
gostar da conversa.
2.
O Governo
decidiu intervir no mercado do gás de garrafa e botija depois de constatar um
aumento da margem dos operadores, ao arrepio da descida do preço da matéria-prima,
e fixou preços para Abril.
Como é que esta
intervenção do governo não se estende a toda a nossa vida quotidiana?
3.
Em plena
pandemia, Jair Bolsonaro demitiu Henrique Mandetta, Ministro da Saúde.
Enquanto Mandetta defendia
a importância do isolamento social para travar a disseminação desta pandemia, a
principal figura do país agarrava-se a uma teoria contrária, chegando até
a participar em várias iniciativas com os seus apoiantes em diversos
estados brasileiros.
4.
Os negros
números.
Portugal regista
629 mortos devido ao Covid-19.
Em Itália já
morreram 22.170 pessoas, em Espanha 19.130 pessoas, em França 17.920 pessoas, na
Grã-Bretanha 13.729 pessoas enquanto os Estados Unidos, segundo a Universidade
Johns Hoptkins, registam mais de 30.000 mortos.
5.
«O silêncio não existe porque é o constante rumor de
uma inexistência. O que se ouve, para além do movimento da cidade, é o monótono
murmúrio do nada. Apenas sombra de nada, quem nele procura um apelo ou uma
resposta não os encontra ou encontra um sinal negativo. Nada diz esse murmúrio
nulo, que é o eco inalterável do vazio do mundo, mas quem o ouve sente a
radicalidade da sua negação como se a cada momento nos dissesse: Não há.»
António Ramos
Rosa
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