sexta-feira, 17 de abril de 2020

AINDA, E SEMPRE, MLK JR


O Lorraine Hotel era dos poucos que em Memphis aceitava negros como hóspedes e era muito frequentado pelos músicos ( Otis Redding, Aretha Franklyn, Ray Charles, …), em especial os que vinham a Memphis para gravar no Stax Records, de que um deste dias vos falarei.

O antigo Windsor Hotel  fora comprado em 1942 pelo casal Walter e Lorre Bailey, e o seu nome depois mudado para Lorraine Motel como dupla homenagem a Lorre e a Nat King Cole, que era hóspede frequente e amigo dos proprietários e cujo “Sweet Lorraine” estava, então, na berra.


Poucos horas após o falecimento de Martin Luther King, Lorre Bailey não resistiu ao choque e sofreu um ataque cardíaco, de que viria a morrer uns dias depois.

O Motel foi mais tarde comprado pelo Tennessee State Museum e, em articulação com o Martin Luther King Jr Memorial, foi-lhe acrescentado um anexo e o conjunto foi  transformado num excelente museu, o National Civil Rights Museum, aberto ao público em Setembro de 1991. 

 Este é, seguramente, um dos melhores museus que alguma vez visitei.

A história dos negros na América e a sua longa luta pela obtenção dos direitos elementares de uma vida em Sociedade está rigorosamente documentada, desde a chegada dos primeiros escravos até a acontecimentos mais recentes, já neste Séc. XXI, como é o caso da eleição do Presidente Obama 


Os momentos mais relevantes dessa luta merecem, naturalmente, maior destaque: a Guerra da Secessão (1861-65), o retomar das ações do Ku-Klux-Klan nos anos 20 e os linchamentos em massa que se seguiram, o assassinato de Emmett Till em 1955, a que já aqui fiz referência, o boicote aos transportes públicos em Montgomery em 1955/1956, as manifestações em Albany e a epopeia dos “Freedom Riders” em 1961, com o autocarro incendiado em Amniston, a luta feroz nas ruas de Birmingham e a marcha sobre Washington em 1963, a marcha de Selma a Montgomery em 1965, os dias de Chicago em 1966 e o surgimento do “Black Power”em 1966, a luta dos trabalhadores de limpeza de Memphis em 1968 e, naturalmente, o assassinato de Martin Luther King e as revoltas que se sucederam por todos os Estados Unidos.


Destaque especial é dado às chamadas ”Leis de Jim Crow” dos finais do séx. XIX no Sul dos Estados Unidos e à diferença de tratamento que impunham entre negros e brancos, em todos os domínios da vida social,  tudo muito bem documentado com textos e fotografias da época, bem como, naturalmente, à posterior obtenção dos principais Direitos, como a “Lei dos Direitos Civis”, de 1964, ou a “Lei do Direito de Voto”, de 1965.

Mas o grau de detalhe deste museu é de tal ordem que sistematicamente somos confrontados com factos e acontecimentos de que nunca antes tínhamos ouvido falar. Eu, pelo menos, que até me gabo de conhecer alguma coisinha da História dos Estados Unidos... 

Ah!, e uma outra coisa que me deixou muito satisfeito… Este museu não se esqueceu do importante papel que a música teve no apoio ao Movimento dos Direitos Civis…!


O que também impressiona neste museu é a diversidade das técnicas museológicas utilizadas, o que faz com que, sendo o espaço de exposições muito extenso e disperso por diversas salas, nunca tenhamos a sensação de cansaço.

Textos da época, cartas, páginas de jornais, cartazes, fotografias, slides, filmes, estátuas em tamanho natural, viaturas, tudo muito bem articulado e fácil de ver, mas exigindo tempo, é claro, coisa que  acabei por não ter muito…

O último cartaz que vemos à saída do museu é um alerta para o futuro: 

AND IN A REAL SENSE, WE ARE MOVING AND WE CANNOT AFFORD TO STOP…


Quem passar pela loja do Museu pode ainda adquirir um excelente livro, este “Civil Rights Chronicle” que vos mostro. 29cmx24 cm com 448 páginas profusamente ilustradas em excelente papel, conta-nos tudo o que se passou desde as “early struggles” dos séculos XV a XVIII até 2003, ano em que termina a minha edição. Preço…? USA$25, o que equivale a menos de 23 €. A comparar com a exorbitância do preço dos catálogos da Gulbenkian...   


Mas nem toda a gente partilha da minha admiração por este museu…

Uma antiga hóspede e empregada de limpeza do Lorraine Motel, despejada por ocasião da transformação do edifício em museu, ainda hoje, mais de 30 anos depois, se manifesta contra ele faça chuva ou faça sol, sentada do outro lado da rua e rodeada pelos seus pertences.

Não lhe fiz uma fotografia por pudor e respeito, mas não deixarei de vos transmitir a sua posição… 

Diz ela que o próprio Martin Luther teria preferido que, em lugar de terem transformado este espaço em local de romaria, tivessem aplicado os muitos milhões que nele foram gastos em obras de apoio social à comunidade negra mais desfavorecida.

É uma muito respeitável posição…


Mas, na minha humilde opinião, este lugar, muito mais do que um mero local de romaria e de peregrinação, é um espaço pedagógico... 

Vi por lá inúmeras famílias de pais negros com as suas crianças pela mão, quais meninos à volta da fogueira que me fizeram lembrar os de Huambo:

«Os meninos à volta da fogueira
Vão aprender coisas de sonho e de verdade
Vão aprender como se faz uma bandeira
Vão aprender o que custou a liberdade…» 

Para mim foi a oportunidade de homenagear um dos mais brilhantes Homens do meu tempo.    

 Texto e fotos de Luís Miguel Mira

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