O Lorraine Hotel era dos poucos que em
Memphis aceitava negros como hóspedes e era muito frequentado pelos músicos (
Otis Redding, Aretha Franklyn, Ray Charles, …), em especial os que vinham a
Memphis para gravar no Stax Records, de que um deste dias vos falarei.
O antigo Windsor Hotel fora comprado em
1942 pelo casal Walter e Lorre Bailey, e o seu nome depois mudado para Lorraine
Motel como dupla homenagem a Lorre e a Nat King Cole, que era hóspede frequente
e amigo dos proprietários e cujo “Sweet Lorraine” estava, então, na
berra.
Poucos horas após o falecimento de Martin
Luther King, Lorre Bailey não resistiu ao choque e sofreu um ataque cardíaco,
de que viria a morrer uns dias depois.
O Motel foi mais tarde comprado pelo
Tennessee State Museum e, em articulação com o Martin Luther King Jr Memorial,
foi-lhe acrescentado um anexo e o conjunto foi transformado num excelente
museu, o National Civil Rights Museum, aberto ao público em Setembro de
1991.
Este é, seguramente, um dos melhores
museus que alguma vez visitei.
A história dos negros na América e a sua
longa luta pela obtenção dos direitos elementares de uma vida em Sociedade está
rigorosamente documentada, desde a chegada dos primeiros escravos até a
acontecimentos mais recentes, já neste Séc. XXI, como é o caso da eleição do
Presidente Obama
Os momentos mais relevantes dessa luta
merecem, naturalmente, maior destaque: a Guerra da Secessão (1861-65), o
retomar das ações do Ku-Klux-Klan nos anos 20 e os linchamentos em massa que se
seguiram, o assassinato de Emmett Till em 1955, a que já aqui fiz referência, o
boicote aos transportes públicos em Montgomery em 1955/1956, as manifestações
em Albany e a epopeia dos “Freedom Riders” em 1961, com o autocarro
incendiado em Amniston, a luta feroz nas ruas de Birmingham e a marcha sobre
Washington em 1963, a marcha de Selma a Montgomery em 1965, os dias de Chicago
em 1966 e o surgimento do “Black Power”em 1966, a luta dos trabalhadores de
limpeza de Memphis em 1968 e, naturalmente, o assassinato de Martin Luther King
e as revoltas que se sucederam por todos os Estados Unidos.
Destaque especial é dado às chamadas ”Leis de
Jim Crow” dos finais do séx. XIX no Sul dos Estados Unidos e à diferença
de tratamento que impunham entre negros e brancos, em todos os domínios da vida
social, tudo muito bem documentado com textos e fotografias da época, bem
como, naturalmente, à posterior obtenção dos principais Direitos, como a “Lei
dos Direitos Civis”, de 1964, ou a “Lei do Direito de Voto”, de 1965.
Mas o grau de detalhe deste museu é de tal
ordem que sistematicamente somos confrontados com factos e acontecimentos de
que nunca antes tínhamos ouvido falar. Eu, pelo menos, que até me gabo de
conhecer alguma coisinha da História dos Estados Unidos...
Ah!, e uma outra coisa que me deixou muito
satisfeito… Este museu não se esqueceu do importante papel que a música teve no
apoio ao Movimento dos Direitos Civis…!
O que também impressiona neste museu é a
diversidade das técnicas museológicas utilizadas, o que faz com que, sendo o
espaço de exposições muito extenso e disperso por diversas salas, nunca
tenhamos a sensação de cansaço.
Textos da época, cartas, páginas de jornais,
cartazes, fotografias, slides, filmes, estátuas em tamanho natural, viaturas,
tudo muito bem articulado e fácil de ver, mas exigindo tempo, é claro, coisa
que acabei por não ter muito…
O último cartaz que vemos à saída do museu é
um alerta para o futuro:
AND IN A REAL SENSE,
WE ARE MOVING AND WE CANNOT AFFORD TO STOP…
Quem passar pela loja do Museu pode ainda
adquirir um excelente livro, este “Civil Rights Chronicle” que vos
mostro. 29cmx24 cm com 448 páginas profusamente ilustradas em excelente papel,
conta-nos tudo o que se passou desde as “early struggles” dos séculos XV a
XVIII até 2003, ano em que termina a minha edição. Preço…? USA$25, o que
equivale a menos de 23 €. A comparar com a exorbitância do preço dos catálogos
da Gulbenkian...
Mas nem toda a gente partilha da minha
admiração por este museu…
Uma antiga hóspede e empregada de limpeza do
Lorraine Motel, despejada por ocasião da transformação do edifício em museu,
ainda hoje, mais de 30 anos depois, se manifesta contra ele faça chuva ou faça
sol, sentada do outro lado da rua e rodeada pelos seus pertences.
Não lhe fiz uma fotografia por pudor e
respeito, mas não deixarei de vos transmitir a sua posição…
Diz ela que o próprio Martin Luther teria
preferido que, em lugar de terem transformado este espaço em local de romaria,
tivessem aplicado os muitos milhões que nele foram gastos em obras de apoio
social à comunidade negra mais desfavorecida.
É uma muito respeitável posição…
Mas, na minha humilde opinião, este lugar,
muito mais do que um mero local de romaria e de peregrinação, é um espaço
pedagógico...
Vi por lá inúmeras famílias de pais negros
com as suas crianças pela mão, quais meninos à volta da fogueira que me fizeram
lembrar os de Huambo:
«Os meninos à volta da fogueira
Vão aprender coisas de sonho e de verdade
Vão aprender como se faz uma bandeira
Vão aprender o que custou a liberdade…»
Para mim foi a oportunidade de homenagear um
dos mais brilhantes Homens do meu tempo.
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