quarta-feira, 8 de abril de 2020

O JARDIM DO BEM E DO MAL


 Se tive vontade de ir conhecer a maravilhosa cidade de Savannah, na Georgia, com os seus largos, as suas belas casas coloniais e as suas ruas bordejadas de árvores centenárias, devo-a a Clint Eastwood, Marguerite Duras e Johnny Mercer…

 E sim, eu sei que o livro de John Berend “Midnight in the Garden of God and Evil” (1994), no qual Clint Eastwood se baseou para fazer um dos seus melhores filmes, não se refere a nenhum jardim em particular. Esse “jardim” parece ser, para o autor do livro, uma metáfora da própria cidade de Savannah, de cuja classe alta Brend terá traçado um retrato caustico e pouco elogioso que provocou escândalo e incomodou a “fina flor” local, levando-a a considerar o autor “persona non grata” e acusando-o de difamar toda a cidade.


Mas mesmo sabendo isso, não deixa de ser verdade que o Forsyth Park assume um papel importante no filme, já que é lá que está sentada, a rir-se, a feiticeira negra que atravessa toda a história, é lá que o filme começa com o avião a descer em direção à pista e é lá mesmo que o filme acaba, com  John Cusak e Alison Eastwood, acompanhados pela espantosa “drag queen” Lady Chablis a bambolear-se, caminhando por esta álea junto à fonte que vos mostro, numa cena que sempre me fez lembrar o final de “To Have And Have Not”, do Hawks, quando o Bogart e a Laureen Bacall saem pela porta dos fundos, seguidos pelo Walter Brennan de malas na mão e a dar ao rabo…

Se o livro deu má fama à cidade eu não o senti. Pelo contrário, o filme deu-me, de imediato, vontade de a visitar, tanto mais que me trazia à memória “Savannah Bay”,   título de uma peça de teatro de Marguerite Duras que nunca li mas de cuja musicalidade sempre gostei muito, embora soubesse bem que não existe qualquer baía nesta Savannah e o mais certo é que a de Duras se trate de mais um daqueles misteriosos lugares do Oriente que não sabemos muito bem se na realidade existem ou se tudo não passa de mais uma imagem proveniente da fértil imaginação da autora de “Hiroshima Mon Amour”…


A poucos quarteirões de distância do Forsyth Park, em Monterey Square, fica a Mercer Williams House que aqui vos mostro, onde decorre uma boa parte da ação do filme e que é hoje um museu.

Mandada construir em 1860 por um bisavô de Johnny Mercer, o conhecido compositor, intérprete e  letrista de alguns dos maiores “standards” da música americana, esta casa manteve o nome mas nunca seria propriedade da família Mercer. A sua construção foi interrompida devido à Guerra Civil e, uma vez concluído, o edifício  ficou em poder de um outro proprietário, até  vir a ser adquirido, em 1969, por  Jim Williams, um barão local do imobiliário (daí o duplo nome da casa).

E  foi precisamente Jim Williams, homem de artes e de bom gosto,  que , no início dos anos 80, se viu envolvido no escândalo do assassinado de um jovem prostituto, que foi verídico e que acabaria por se tornar a base do livro e do filme de Clint Eastwood.

Quanto a Johhny Mercer, não obstante ter nascido em aqui em 1909 e ser uma figura ilustre da cidade (tem uma estátua no centro), deixou Savannah aos 19 anos e nunca regressou a não ser de passagem, tendo vivido a maior parte da sua vida em Los Angeles. Tal como toda a Família Mercer, nunca habitou a Mercer House, e pouco viveu na cidade...


Mas Clint Eastwood não parece ter ficado muito preocupado com isso e instala o filme sob a égide de Johnny Mercer. Uma das primeiras imagens é a do túmulo de Mercer que se encontra no Bonaventure Cemetery, numa das entradas da cidade, e são várias as referências a Mercer e à sua música que são feitas ao longo do filme.

É evidente que Eastwood quis aproveitar esta oportunidade para fazer uma homenagem ao autor de “Laura” e de “Skylark”, de que tanto gosta, e foi mais longe complementando o filme com uma fabulosa “banda sonora” só com músicas de Johnny Mercer.

E parece não ter ficado satisfeito porque,  12 anos depois e por ocasião da celebração do centenário do nascimento de Mercer, voltaria a carga e seria o produtor executivo do documentário de homenagem  que lhe foi dedicado, “Johhny Mercer: The Dream’s on Me”.
Midnight in the Garden of God and Evil”  balanceia entre o drama e a comédia, com uma atmosfera de mistério muito “deep south” a que não falta uma sessão de “voodoo” à noite num cemitério,  orquestrada por aquela velhota feiticeira que vemos sentada no jardim, que  parece mexer os cordelinhos de toda a história e se despede de nós, no final do filme, com uma sonora gargalhada.


Por acaso – ou talvez não… - , quando fui  visitá-lo Forsyth Park estava apinhado de velhotas e velhotes negros de grande porte, como a do filme, sentados nos bancos com os seus sacos de plástico no chão para darem de comer aos esquilos e à passarada.
 Pelo sim pelo não, passei com muito cuidado defronte deles e evitei olhá-los bem nos olhos, não fosse o diabo tecê-las naquele jardim...
  
Texto e fotos de Luís Miguel Mira

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