Se tive vontade de ir conhecer a maravilhosa cidade
de Savannah, na Georgia, com os seus largos, as suas belas casas coloniais e as
suas ruas bordejadas de árvores centenárias, devo-a a Clint Eastwood,
Marguerite Duras e Johnny Mercer…
E sim,
eu sei que o livro de John Berend “Midnight in the Garden of God and Evil”
(1994), no qual Clint Eastwood se baseou para fazer um dos seus melhores
filmes, não se refere a nenhum jardim em particular. Esse “jardim” parece ser,
para o autor do livro, uma metáfora da própria cidade de Savannah, de cuja
classe alta Brend terá traçado um retrato caustico e pouco elogioso que
provocou escândalo e incomodou a “fina flor” local, levando-a a considerar o
autor “persona non grata” e acusando-o de difamar toda a cidade.
Mas mesmo
sabendo isso, não deixa de ser verdade que o Forsyth Park assume um papel
importante no filme, já que é lá que está sentada, a rir-se, a feiticeira negra
que atravessa toda a história, é lá que o filme começa com o avião a descer em
direção à pista e é lá mesmo que o filme acaba, com John Cusak e Alison
Eastwood, acompanhados pela espantosa “drag queen” Lady Chablis a
bambolear-se, caminhando por esta álea junto à fonte que vos mostro, numa cena
que sempre me fez lembrar o final de “To Have And Have Not”, do Hawks,
quando o Bogart e a Laureen Bacall saem pela porta dos fundos, seguidos pelo
Walter Brennan de malas na mão e a dar ao rabo…
Se o livro
deu má fama à cidade eu não o senti. Pelo contrário, o filme deu-me, de
imediato, vontade de a visitar, tanto mais que me trazia à memória “Savannah
Bay”, título de uma peça de teatro de Marguerite Duras que nunca li
mas de cuja musicalidade sempre gostei muito, embora soubesse bem que não
existe qualquer baía nesta Savannah e o mais certo é que a de Duras se trate de
mais um daqueles misteriosos lugares do Oriente que não sabemos muito bem se na
realidade existem ou se tudo não passa de mais uma imagem proveniente da fértil
imaginação da autora de “Hiroshima Mon Amour”…
A poucos
quarteirões de distância do Forsyth Park, em Monterey Square, fica a Mercer
Williams House que aqui vos mostro, onde decorre uma boa parte da ação do filme
e que é hoje um museu.
Mandada
construir em 1860 por um bisavô de Johnny Mercer, o conhecido compositor, intérprete
e letrista de alguns dos maiores “standards” da música americana,
esta casa manteve o nome mas nunca seria propriedade da família Mercer. A sua
construção foi interrompida devido à Guerra Civil e, uma vez concluído, o
edifício ficou em poder de um outro proprietário, até vir a ser adquirido, em 1969, por Jim Williams, um barão local do imobiliário
(daí o duplo nome da casa).
E foi
precisamente Jim Williams, homem de artes e de bom gosto, que , no início
dos anos 80, se viu envolvido no escândalo do assassinado de um jovem
prostituto, que foi verídico e que acabaria por se tornar a base do livro e do
filme de Clint Eastwood.
Quanto a
Johhny Mercer, não obstante ter nascido em aqui em 1909 e ser uma figura
ilustre da cidade (tem uma estátua no centro), deixou Savannah aos 19 anos e
nunca regressou a não ser de passagem, tendo vivido a maior parte da sua vida
em Los Angeles. Tal como toda a Família Mercer, nunca habitou a Mercer House, e
pouco viveu na cidade...
Mas Clint
Eastwood não parece ter ficado muito preocupado com isso e instala o filme sob
a égide de Johnny Mercer. Uma das primeiras imagens é a do túmulo de Mercer que
se encontra no Bonaventure Cemetery, numa das entradas da cidade, e são várias
as referências a Mercer e à sua música que são feitas ao longo do filme.
É evidente
que Eastwood quis aproveitar esta oportunidade para fazer uma homenagem ao
autor de “Laura” e de “Skylark”, de que tanto gosta, e foi mais
longe complementando o filme com uma fabulosa “banda sonora” só com músicas de
Johnny Mercer.
E parece não
ter ficado satisfeito porque, 12 anos depois e por ocasião da celebração
do centenário do nascimento de Mercer, voltaria a carga e seria o produtor
executivo do documentário de homenagem que lhe foi dedicado, “Johhny
Mercer: The Dream’s on Me”.
“Midnight
in the Garden of God and Evil” balanceia entre o drama e a comédia,
com uma atmosfera de mistério muito “deep south” a que não falta uma
sessão de “voodoo” à noite num cemitério, orquestrada por aquela
velhota feiticeira que vemos sentada no jardim, que parece mexer os
cordelinhos de toda a história e se despede de nós, no final do filme, com uma
sonora gargalhada.
Por acaso –
ou talvez não… - , quando fui visitá-lo Forsyth Park estava apinhado de
velhotas e velhotes negros de grande porte, como a do filme, sentados nos
bancos com os seus sacos de plástico no chão para darem de comer aos esquilos e
à passarada.
Pelo
sim pelo não, passei com muito cuidado defronte deles e evitei olhá-los bem nos
olhos, não fosse o diabo tecê-las naquele jardim...
Texto e fotos de Luís Miguel Mira
Sem comentários:
Enviar um comentário