Já vos disse, do
arrepio dos dias que vão correndo deste isolamento que nos impuseram.
Não quero
discutir se, este isolamento, foi excessivo, ou se podia ter sido algo diferente.
Pela manhã,
começo por olhar a nesga de rua que vejo na frente do prédio em que vivemos há
quase 50 anos.
Passa uma ou
duas pessoas, carros quase nenhuns, volta e meia o «30» Picheleira/Picoas e
volta, quase vazio, faz a sua passagem.
Depois vou até à
varanda das traseiras. Aqui o caso muda largamente de figura.
Mas neste
domingo, não quero que olhem a cidade, antes a nespereira que vêem quase em
primeiro olhar.
Ali é o quintal
do Orlando.
Se há um tempo
de cerejas, também há um tempo de morangos e de nêsperas.
Aliás há um
tempo de tudo, dispensávamos era este tempo de Covi-19.
A fotografia não
é muito feliz e talvez não consigam perceber que as nêsperas já estão gordas,
bem amarelecidas, prontas para serem apanhadas, antes que os pássaros, com
aqueles seus olhos de lente as biquem, finórios que são, sabem o que é bom.
Talvez mais uns
dias e o Orlando há-de aparecer com um cestinho com nêsperas bem rijas e a
desfazerem-se em mel e não faltar´~ao para compor o cenário, algumas folhas da
respectiva árvore
.
São nêsperas terrivelmente
biológicas porque o Orlando não lhe põe um grama que seja de qualquer químico.
Daí não aguentarem mais que um dia ou dois, mas tanto não é necessário para que o
cestinho seja devolvido vazio até à próxima apanha.
Por nêsperas, se
dirá que hoje não haverá música.
Será o tempo de o
Senhor Mário Viegas dizer um poema, de outro senhor: o Mário-Henrique Leiria.
Rifão quotidiano
«Uma nêspera
estava na cama
Deitada
muito calada
a ver
o que acontecia
chegou a Velha
e disse
olha uma nêspera
e zás comeu-a
é o que acontece
às nêsperas
que ficam deitadas
caladas
a esperar
o que acontece»
Sim, foi Domingo de Páscoa.
Se alguém nos chamou, não respondemos.
Dizer o quê?
1.
Marcelo Rebelo
de Sousa, há uns meses atrás, muito antes do Covid-19, dizia que colocava uma
sua recandidatura à presidência da república, nas mãos de Deus.
2.
João Lopes no
seu Covid-20:
«O cancelamento de tudo o que seja espectáculo (com)
público constitui uma catástrofe para o mercado de trabalho. Mais do que isso:
é um sintoma civilizacional. Abre uma ferida cruel, porventura insanável, que,
sendo de natureza económica, é acima de tudo visceralmente cultural. E só
ficaremos surpreendidos se nos esquecermos que o cultural é a instância em que
mais directamente se exprime, edifica e transfigura o económico. Perversamente,
tudo isto tende a favorecer a consolidação de uma sociedade em streaming,
esse paraíso prometido, promovido e comercializado pelos GAFA (Google + Amazon
+ Facebook + Apple). Não foram eles que criaram o vírus, claro — evitemos a
paranóia das conspirações. O certo é que já tinham inventado a paisagem viral
que passámos a encarar como se fôssemos os primeiros habitantes de uma nova
ideia de Natureza.»
3.
A presidente da
Comissão Europeia diz que os idosos podem ter de isolar-se até ao fim do ano.
4.
«Somos todos uns sentimentais e por isso demoramos no
que nos dói.»
Nuno Camarneiro
em Debaixo de Algum Céu
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