domingo, 12 de abril de 2020

DIÁRIO DOS DIAS DiFÍCEIS



Já vos disse, do arrepio dos dias que vão correndo deste isolamento que nos impuseram.

Não quero discutir se, este isolamento, foi excessivo, ou se podia ter sido algo diferente.

Pela manhã, começo por olhar a nesga de rua que vejo na frente do prédio em que vivemos há quase 50 anos.

Passa uma ou duas pessoas, carros quase nenhuns, volta e meia o «30» Picheleira/Picoas e volta, quase vazio, faz a sua passagem.

Depois vou até à varanda das traseiras. Aqui o caso muda largamente de figura.

Mas neste domingo, não quero que olhem a cidade, antes a nespereira que vêem quase em primeiro olhar.

Ali é o quintal do Orlando.

Se há um tempo de cerejas, também há um tempo de morangos e de nêsperas.

Aliás há um tempo de tudo, dispensávamos era este tempo de Covi-19.

A fotografia não é muito feliz e talvez não consigam perceber que as nêsperas já estão gordas, bem amarelecidas, prontas para serem apanhadas, antes que os pássaros, com aqueles seus olhos de lente as biquem, finórios que são, sabem o que é bom.

Talvez mais uns dias e o Orlando há-de aparecer com um cestinho com nêsperas bem rijas e a desfazerem-se em mel e não faltar´~ao para compor o cenário, algumas folhas da respectiva árvore
.
São nêsperas terrivelmente biológicas porque o Orlando não lhe põe um grama que seja de qualquer químico.

Daí não aguentarem mais que um dia ou dois, mas tanto não é necessário para que o cestinho seja devolvido vazio até à próxima apanha.

Por nêsperas, se dirá que hoje não haverá música.

Será o tempo de o Senhor Mário Viegas dizer um poema, de outro senhor: o Mário-Henrique Leiria.


Rifão quotidiano

«Uma nêspera
estava na cama
Deitada
muito calada
a ver
o que acontecia

chegou a Velha
e disse
olha uma nêspera
e zás comeu-a

é o que acontece
às nêsperas
que ficam deitadas
caladas
a esperar
o que acontece»


Sim, foi Domingo de Páscoa.

Se alguém nos chamou, não respondemos.

Dizer o quê?

1.

Marcelo Rebelo de Sousa, há uns meses atrás, muito antes do Covid-19, dizia que colocava uma sua recandidatura à presidência da república, nas mãos de Deus.

2.

João Lopes no seu Covid-20:

«O cancelamento de tudo o que seja espectáculo (com) público constitui uma catástrofe para o mercado de trabalho. Mais do que isso: é um sintoma civilizacional. Abre uma ferida cruel, porventura insanável, que, sendo de natureza económica, é acima de tudo visceralmente cultural. E só ficaremos surpreendidos se nos esquecermos que o cultural é a instância em que mais directamente se exprime, edifica e transfigura o económico. Perversamente, tudo isto tende a favorecer a consolidação de uma sociedade em streaming, esse paraíso prometido, promovido e comercializado pelos GAFA (Google + Amazon + Facebook + Apple). Não foram eles que criaram o vírus, claro — evitemos a paranóia das conspirações. O certo é que já tinham inventado a paisagem viral que passámos a encarar como se fôssemos os primeiros habitantes de uma nova ideia de Natureza.»

3.

A presidente da Comissão Europeia diz que os idosos podem ter de isolar-se até ao fim do ano.

4.

«Somos todos uns sentimentais e por isso demoramos no que nos dói.»

Nuno Camarneiro em Debaixo de Algum Céu

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