quinta-feira, 16 de abril de 2020

O QU'É QUE VAI NO PIOLHO?


Já há muito que andava para colocar aqui um texto sobre o Billy Wilder’s Café-Bar em Berlim.

Tinha a certeza que existia uma fotografia da procura que fizéramos para localizar o hotel do «One, Two, Three», onde acontece uma das grandes cenas do mundo de Billy Wilder, que só se tornara realizador para proteger os seus argumentos.

Procurei-a longamente sem qualquer ponta de sucesso.


Agora, com todo o tempo do mundo, graças ao Covid-19, apareceu-me, juntamente com outra tralha, dentro duma caixa de charutos.

Lá estou eu a olhar para a fachada do «Easy Side Hotel», apenas a olhar, o que admitimos ser o Grande Hotel Potemkin que aparece no filme.

Cabe dizer que, no tocante a cinema, e não só, se o Luís Miguel Mira, depois de dar todas as voltas, e mais uma, não consegue encontrar o que procura, não vale a pena fazer quaisquer outros esforços.

João Bénard da Costa diz-nos que o interior do Grande Hotel Potemkin é decalcado de um hotel por ali existente, que nos tempos da juventude de Wilder se chamava Grand Hotel Bismark e nos anos de Hitler se chamava Grande Hotel Goering.

Qual será o novo nome do Hotel nos dias de hoje?

O «Easy Side Hotel» cuja fachada se vê na fotografia?

E estávamos no exacto, ou aproximado, local?

Billy Wilder, a equipa de filmagens só se deram conta de tal facto pela manhã.


Agora pouco importa, o que importa realmente é esse espantoso filme de Wilder, que ao tempo, tempo de guerra fria, ninguém gostou, ninguém o olhou com olhos de ver, chegando a classifica-lo como «abjectamente reacionário».

A última vez que vi «Um, Dois, Três», foi na sala Dr. Félix Ribeiro da Cinemateca – quando voltarei a entrar na Cinemateca? -,  na tarde do dia 28 de Janeiro de 2003 e guardo a folhinha assinada pelo João Bénard da Costa, que me serve de fonte.

O muro de Berlim começou a ser erigido na noite de 13 de Agosto de 1961.

Muita coisa aconteceu durante a rodagem do filme. Quando chegaram para a as primeiras filmagens ainda se ia de um lado para o outro, quando as filmagens chegaram ao fim o tal muro já estava erguido e, naturalmente viria a ser afectado

«Quando via matarem os refugiados que tentavam fugir de leste para oeste na vida real, parecia-me que ia ser difícil que as pessoas aceitassem uma comédia situada em tal décor. Os realizadores são muito vulneráveis a esta espécie de riscos. Uma situação, um clima político muda e as coisas deixam de ser as mesmas no fim das filmagens do que eram quando se começaram.»

Bénard da Costa é de opinião que todos esses tempos afectaram o filme mais do que Wilder poderia supor.

«Os alemães odiaram e acharam difícil de acreditar que um «alemão» pudesse retratar assim o seu povo e o país onde vivera em jovem. Não falo dos russos porque, obviamente, jamais o viram. À época «One, Two, Three» foi o único filme de Wilder que ninguém defendeu e, ainda hoje, é dos mais mal conhecidos e estudados da sua obra.»

A folhinha da Cinemateca conclui:

«Em 1961, ninguém entendeu Wilder. Em 2003 – ai de nós, entendemo-lo bem de mais».



O resto é lembrar a fabulosa sequência no tal hotel, cena antológica das muitas de Billy Wilder, em que Lilo Pulver, no papel de Ingeborg, se mostra esplendorosa e escultural, com aquele justinho vestido às bolinhas vermelhas, o filme é a preto e branco, mas terão de ser vermelhas as bolinhas, numa dança maluca, em cima da mesa cheia de champanhe, vodka e caviar, rodeada por um turba de bêbados, tão louca, louca a dança, o frenesim infernal, que o retrato de Krustchev baloiça e cai, revelando que escondia o retrato de Estaline.

Simplesmente fabuloso.

Billy Wilder nunca gostou de rever os seus filmes.

«Só me apetece é agarrar naquilo e mudar tudo», e sorriu. «É como voltar a encontrar uma rapariga com quem se dormiu quinze anos atrás. Olha-se para ela e pensa-se ”Deus meu, dormi mesmo com ela”?»

«Quanto Mais Quente talvez seja o meu melhor filme, por ser o que tem menos erros.»

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