quarta-feira, 22 de abril de 2020

DIÁRIO DOS DIAS DIFÍCEIS


Lembro-me do José Afonso dizer que não há só gaivotas em terra quando um homem se põe a pensar, pelo que mantenho não ser importante a sessão solene comemorativa do 25 de Abril na Assembleia da República.

Se fizerem o favor de não dizerem que sou contra o 25 de Abril, agradeço.

Obviamente reconheço que qualquer pretexto é bom para certa gente se manifestar contra a data dos cravos vermelhos.

Na parte que me toca, terão que fazer o favor de não me incluírem nesse pano de fundo.
Agora leio que a CGTP não realiza o habitual desfile/manifestação do 1º de Maio, apenas a concentração, em algumas cidades, de pessoas, distanciadas entre si 4/5 metros e sem a participação de velhos e crianças.

Pode ser que a clausura me esteja a retirar capacidades de análise e raciocínio e chegado aqui não sei que diga.

Há silêncios que doem.

A disposição não é muita para hoje vos escolher a música.

Mas como há dias tropecei no José Gomes Ferreira, tem-me feito uma agradabilíssima companhia, lembrei-me do que ele escreveu a 16 de Dezembro de 1970:

«Fiz hoje mais um esforço para gostar de O Cavaleiro da Rosa.
Impossível.
Ainda não encontrei o segredo.
Continua a parecer-me uma longa estopada para embalar os saudosos do Strauss das cervejarias de Viena.
É uma valsa sem epiderme… Mas por baixo não existe a carne viva com nervos sangrentos… Apenas o cadáver de um boneco monótono, com corda de dançar.»

Num Natal, o meu amigo Hans-Martin mandou-me, desde Reinbek, O Cavaleiro da Rosa.

Honestamente terei que vos dizer que o José Gomes Ferreira influencia-me barbaramente…


1.

A Tele-Escola, na RTP Memória, bateu todos os recordes de audiência e destronou a CMTV.

2.

Juntamente com os lares, os hostels são uma preocupação dado o elevado perigo de contágio que representam. Calcula-se que cerca de 800 migrantes vivem, em Lisboa, amontoados nesses alojamentos, constituindo uma perigosa fonte de propagação do vírus.
De como foram passadas as licenças para estas casas/hostels funcionarem, é algo que deveria ter sido rigorosamente vigiado. 
Agora, em plena pandemia, não se vê solução para o problema.

2.

O ministro das Relações Exteriores do Brasil afirmou que o novo coronavírus tem sido usado para implantar o comunismo no mundo.
O ministro brasileiro usou o termo comunavírus para nomear o surgimento de um alegado vírus ideológico que se sobrepõe ao coronavírus e que teria como objetivo despertar para o pesadelo comunista.


3.

A Organização Mundial de Saúde avisa o mundo de que o vírus estará entre nós durante muito tempo.


4.

O governo anunciou a descida do IVA, de 23% para 6%, para máscaras e gel desinfectante.

5.

Os negros números:

Portugal regista 785 óbitos.

Os Estados Unidos continuam a ser o país do mundo a registar o mais elevado número de mortos: 44.845. Só em Nova Iorque registam-se 15.302 óbitos.

Itália: 25.085 mortos
Espanha: 21.717 mortos
França: 21.340 mortos
Grã-Bretanha: 18.100 mortos

Em todo o mundo já morreram 182.740 pessoas.

6.

Passagem pelo dia 22 de Abril de 1974:

O jornal situacionista Época dava grande destaque ao almoço íntimo que o Chefe de Estado Américo Thomaz ofereceu, em Belém, ao Chefe do Governo Marcelo Caetano, ministros e outras figuras do regime.

Sem protocolo, sorridentes, desconheciam que esta seria a última refeição que, juntos, iriam ter.

Nenhum jornal informa os seus leitores das iguarias que suas excelências manducaram mas sempre adiantaram que tudo decorreu num grande ambiente de grande cordialidade, alguns odiavam-se mesmo.

No jornal República, o jornalista e escritor Álvaro Guerra, que era um elo de ligação entre os militares e a imprensa, sabendo do que daí a dias iria acontecer, escreve o habitual Ponto Crítico:

«A Primavera continua chuvosa, um resto de invernia que se arrasta, retardando o sol aquém, de tantos sóis adiados, se vai fartando e chegando ao Inverno da vida com um levíssimo e já frio raio de luz teimando penetrar na floresta desencantada da memória.
Naturalistas, alegóricos, nostálgicos, vamos seguindo os caprichos do clima, mitigando a ausência das palavras primaveris com a decifração de eternos boletins meteorológicos.»

Legenda: pintura de Vanessa Ball 

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