quinta-feira, 9 de abril de 2020

DIÁRIO DOS DIAS DIFÍCEIS


Quinta-feira, dita de Paixão.

O mais duro dos percursos.

De quem sabe que a morte pode estar ligada ao estupor de um vírus, que caminhou de muito longe para nos atormentar os dias, mas também as amarguras profundas,  solidões muito grandes, de quem não soube lidar com as fraquezas que minam cada um de nós.

Será que o destino é cruel?

Talvez, mas acima de tudo é um tipo sem moral nenhuma.

Somos, por isto ou por aquilo, uns meros doentes da vida.

«E só as crianças se riem durante o sono», como escreveu Jorge Listopad.

 O velho Woody Allen gostava de marcar distâncias: 

«Não é que eu esteja com medo de morrer. Apenas não quero estar lá quando isso acontecer.»

Já que te acusam de citares muito, coloca mais três citações:

Escreveu  o poeta e filósofo José Tolentino Mendonça:

«Muitas vezes Deus prefere entrar em nossa casa quando não estamos.»

O poeta transmontano A.M. Pires Cabral:

«Que de tudo se precisa nesta vida. Na outra, por enquanto não se sabe»

Marguerite Yourcenar:

«não creio como eles crêem,
não vivo como eles vivem,
não amo como eles amam…
morrerei
como eles morrem.»

A música, bom a música é o coro final da Paixão Segundo São Mateus de Johann Sebastian Bach.

De tudo se precisa nesta vida, é certo, mas esta música não poderá deixar de nos acompanhar, sejam quais forem os passos que necessitamos de percorrer.



1.

Todo o tempo desta Páscoa, vai ser molhado.

Choveu, em Lisboa, durante todo o dia.

Lembro-me do poeta José Gomes Ferreira, à janela da varanda da sua casa, no 2º Frente Esquerdo do nº 33 da Avenida Rio de Janeiro,  a ver a chuva cair e a lembrar-se que aquela chuvinha era uma bênção para os nabos e outras hortaliças, que tinha plantados na sua casa de Albarraque, num terreno herdado do seu pai, projecto do filho do poeta  Raul Hestnes Ferreira, com o patiozinho voltado para poente, a desenhar com os olhos a Serra de Sintra.

2.

Obrigo-me a que estes dias de pesadelo se tornem ligeiramente diferentes.

Meto-me com os livros, alinho na música e em filmes comprados pela Aida, alguns ainda com o celofane de compra, remexo em montes de jornais, caixas com recortes, com o desejo de os enfiar no lixo, mas há sempre uma qualquer linha, uma palavra que obriga a reguardá-los.

Lembro-me da casa do Mário Castrim, na Rua dos Lusíadas.

Livros e jornais por tudo o que era sítio, e eu a perguntar-lhe como é que ele se orientava com a livralhada espalhada pela casa?

«Quando preciso de algum, assobio e ele aparece.»

Os dias desta semana têm merecido visitas a José Gomes Ferreira.

Hoje fui apanhado a falar sozinho por essas ruas… Que o primeiro poeta que nunca falou sozinho pelas ruas se levante e me atire a primeira estrela! (Cá nós, os poetas, nunca atiramos pedras uns aos outros. Só atiramos estrelas).

3.

Quando os médicos entendem cuidar do seu quintalinho, esquecendo o resto, é provável que o cidadão comum não entenda as suas atitudes.

 O diretor do Serviço de Cirurgia Geral e Transplantação do Hospital Curry Cabral, Américo Martins, demitiu-se por ter visto impedida a proposta de reorganização do serviço na unidade.

«O Conselho de Administração não aceitou a criação de dois circuitos independentes” no Curry Cabral para manter, como propunham os médicos, os serviços destinados aos doentes oncológicos e transplantados no Curry Cabral».

Já há dias, o médico cirurgião Eduardo Barroso dizia não compreender a decisão de encerrar a unidade do Centro Hepatobiliopancreático e de Transplantação do Curry Cabral para que o hospital se possa dedicar a receber apenas doentes infetados com o novo coronavírus, considerando o encerramento demagógico e preocupante.

Como continuamos a ouvir o Bastonário da Ordem dos Médicos a pontapear as decisões do governo, esquecendo (?) tudo o resto, é normal que nos interroguemos sobre as críticas e decisões dos médicos.

Em tempo de pandemia não me parece muito correcto que se pense apenas em vaidadezinhas particulares, no quintalinho de cada médico…


4.

 A Brisa já accionou o mecanismo para ser indemnizada pelo Estado.

5.

O senador Bernie Sanders abandonou a corrida presidencial americana:

«Não posso, em consciência, manter uma campanha sem condições de vencer e que interferiria no que a todos é exigido nesta hora difícil

6.

Em abono da verdade, não li a crónica de última página do direitista-cronista-com-a-mania-que tem-graça-João-Miguel-Tavares, olhei apenas o título:

«Meter as pessoas dentro de casa foi fácil. E tirá-las?»

O Dudu chateava-se que lhe chamassem a atenção para o facto de, mesmo sem ter visto o filme, dizer que era uma merda.

Caro direitista-Tavares:

Nem uma coisa nem outra estão no capítulo das facilidades terrenas.

Não foi fácil as pessoas ficarem nas suas casas, não vai ser fácil tirá-las de lá!

Os jornais, as televisões só deviam aceitar colaboradores que apresentassem provas de que se lavam todos os dias!

7.

Os negros números:

Itália

18.279 mortes

Espanha

15.238 mortes

Estados Unidos

14.695 mortes

França

12.210 mortes

Grã-Bretanha

7.097 mortes

Irão

4.110 mortes

China

3.215 mortes

Bélgica

2.523 mortes

Alemanha

2.451 mortes

Holanda

2.396 mortes

Portugal

409 mortes

Mundo

93.425 mortes

8.

«Vivi tanto
que já não tenho outra noção
de eternidade
que não seja a duração da minha vida»

António Ramos Rosa

Sem comentários: