quinta-feira, 23 de abril de 2020

ALGUÉM LHES DIRÁ O QUE SOFREMOS...


Naquele tempo as fotografias eram em papel, possivelmente, alguém em qualquer parte do mundo, já pensava noutras maneiras de as guardar.

Já passaram muitos e muitos dias e as cores dos murais foram ficando para o desmaiado.

Mas por que será que o papel é sempre o papel?

Mudando o disco.

Há um texto de Sophia Mello Breyner Andresen, fragmento poético de Os Gracos, que guarda uma lição de política.

«Os ricos nunca perdem a jogada, nunca fazem um erro. Espiam. E esperam os erros dos outros. Administram os erros dos outros. São hábeis e sábios. Têm uma larga experiência do poder e quando não podem usar a própria força, usam a fraqueza dos outros. E ganham.»

Não lemos bem as lições que nos dizem para ler.

Não aprendemos com as lições que devíamos ler, ou ler com mais atenção.

Sabemos das razões, mas fazemos por olvidar.

Ficamos a inquietação da distância.

«Valerá a pena você gastar tanta inteligência para explicar aos parvos que são parvos?

De uma carta de Sophia para Jorge de Sena, Maio de 1962.

Nos tempos da ditadura, numa televisão a preto e branco, o país sentava-se atentamente frente ao aparelho para assistir ao Zip-Zip.

Apesar dos cortes da censura, era um programa que conseguia passar para lá do habitual cinzentismo que nos assistia.

Por ele o país ficou a conhecer Almada Negreiros, o poeta António Gedeão, outros mais, por ele começou a ver e a ouvir uma série de rapazes que, de viola na mão, cantavam coisas fora do circuito do então já chamado nacional- cançonetismo.

Mais espantadas ficaram as gentes quando uma noite um padre, Francisco Fanhais de seu nome, pegando num poema de Sebastião da Gama, entrou casa dentro a dizer que a um rouxinol lhe tinham quebrado as asas não o deixando voar, lhe quebraram o bico não o deixando cantar.


Legenda: o título é tirado de um poema de Egito Gonçalves.

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