A noite de que neste livro se fala é a de 24 para 25 de Abril de 1974. Aqui
se diz algum pouco do que aconteceu ou podia ter acontecido por trás das
janelas iluminadas das redacções e das tipografias, enquanto na rua o regime
fascista principiava a cair. Entram jornalistas de alto e baixo, tipógrafos, o
director de uns, o administrador de todos. Não há retratos, mas talvez se
encontrem retratos. Tal como na vida dos dias todos, uma gente é boa, outra
ruim, outra não sabe o que seja nem sabe o que é. Estes são firmes, aqueles são
fracos provavelmente porque nunca se lhes pediu a humana ousadia de o não
serem. Não será uma história verdadeira, mas é, com certeza, uma história sem
mentira.
José Saramago na
contracapa de A Noite
José Saramago
nunca se considerou um jornalista.
Numa entrevista
a Mário Vieira de Carvalho, Diário de Lisboa, 1 de Junho de 1978 justifica a
afirmação:
«Não é jornalista um homem que não passou pela
tarimba, pelos rudimentos da profissão, pelos tribunais, pela polícia, pela
reportagem de rua, pela entrevista, pela rotina frustradora, pela excitação de
sacar uma notícia primeiro que a concorrência. Entrei para o jornalismo pela
porta das administrações, convidado para exercer função de opinante, no caso do
«Diário de Lisboa», e de director-adjunto do «Diário de Notícias», com
acréscimo de função de editorialista. Com isto não se faz um jornalista mesmo
tendo-me eu sempre esforçado por entender os claros e escuros duma profissão,
cheia de alçapões.»
A Noite constitui a primeira experiência
teatral de José Saramago, respondendo a um pedido de Luzia Maria Martins que o
«achou capaz de escrever uma peça» e
a quem o livro é dedicado.
Possivelmente, por falta de apoios financeiros, Luzia Maria Martins não conseguiu colocar A Noite em cena pela sua companhia Teatro Estúdio de Lisboa sedeadoa no Teatro Vasco Santana, na antiga Feira Popular, em Entrecampos.
A Noite é o
segundo volume da colecção «O Campo da Palavra», da Editorial Caminho, o
primeiro volume é Círculo Aberto, livro de poemas de António Ramos Rosa.
Estamos em 1979, Zeferino Coelho sabia que os livros que
José Saramago tinha publicado na Moraes Editora tiveram parcos resultados
editoriais, mas arriscou e, no ano seguinte, mais arriscará com a publicação de
Que farei com Este Livro e com Levantado do Chão.
«Não sou um
escritor de êxito comercial, não sou o que se chama um bom negócio editorial»
disse Saramago na já citada entrevista a Mário Vieira de Carvalho
Sabemos hoje o que veio a acontecer.
Nelson de Matos também sabe, e quanto lamentou o golpe de
asa que lhe faltou ou lhe negaram por não publicar Levantado do Chão.
Ser editor é um desassossego, ainda e sempre um
desassossego.
Legenda: capa de A
Noite publicado pela Porto Editora. A caligrafia da capa é da autoria de Baptista-Bastos.
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