quarta-feira, 17 de outubro de 2018

SARAMAGUEANDO


A noite de que neste livro se fala é a de 24 para 25 de Abril de 1974. Aqui se diz algum pouco do que aconteceu ou podia ter acontecido por trás das janelas iluminadas das redacções e das tipografias, enquanto na rua o regime fascista principiava a cair. Entram jornalistas de alto e baixo, tipógrafos, o director de uns, o administrador de todos. Não há retratos, mas talvez se encontrem retratos. Tal como na vida dos dias todos, uma gente é boa, outra ruim, outra não sabe o que seja nem sabe o que é. Estes são firmes, aqueles são fracos provavelmente porque nunca se lhes pediu a humana ousadia de o não serem. Não será uma história verdadeira, mas é, com certeza, uma história sem mentira.

José Saramago na contracapa de A Noite

José Saramago nunca se considerou um jornalista.

Numa entrevista a Mário Vieira de Carvalho, Diário de Lisboa, 1 de Junho de 1978 justifica a afirmação:

«Não é jornalista um homem que não passou pela tarimba, pelos rudimentos da profissão, pelos tribunais, pela polícia, pela reportagem de rua, pela entrevista, pela rotina frustradora, pela excitação de sacar uma notícia primeiro que a concorrência. Entrei para o jornalismo pela porta das administrações, convidado para exercer função de opinante, no caso do «Diário de Lisboa», e de director-adjunto do «Diário de Notícias», com acréscimo de função de editorialista. Com isto não se faz um jornalista mesmo tendo-me eu sempre esforçado por entender os claros e escuros duma profissão, cheia de alçapões.»

A Noite constitui a primeira experiência teatral de José Saramago, respondendo a um pedido de Luzia Maria Martins que o «achou capaz de escrever uma peça» e a quem o livro é dedicado.

Possivelmente, por falta de apoios financeiros, Luzia Maria Martins não conseguiu colocar A Noite em cena pela sua companhia Teatro Estúdio de Lisboa sedeadoa no Teatro Vasco Santana, na antiga Feira Popular, em Entrecampos.

A Noite é o segundo volume da colecção «O Campo da Palavra», da Editorial Caminho, o primeiro volume é Círculo Aberto, livro de poemas de António Ramos Rosa.

Estamos em 1979, Zeferino Coelho sabia que os livros que José Saramago tinha publicado na Moraes Editora tiveram parcos resultados editoriais, mas arriscou e, no ano seguinte, mais arriscará com a publicação de Que farei com Este Livro e com Levantado do Chão.

«Não sou um escritor de êxito comercial, não sou o que se chama um bom negócio editorial» disse Saramago na já citada entrevista a Mário Vieira de Carvalho

Sabemos hoje o que veio a acontecer.

Nelson de Matos também sabe, e quanto lamentou o golpe de asa que lhe faltou ou lhe negaram por não publicar Levantado do Chão.

Ser editor é um desassossego, ainda e sempre um desassossego.

Legenda: capa de A Noite publicado pela Porto Editora. A caligrafia da capa é da autoria de Baptista-Bastos.

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