Mau Tempo no Canal
Vitorino Nemésio
Introdução de José
Martins Garcia
Capa: José Rego
Obras Completas de
Vitorino Nemésio: Vol. VIII
Imprensa
Nacional-Casa da Moeda, Lisboa Maio de 1994
― Estás velha, hem? ...
― Velha, não; mas enfim ... o tempo não passa só para quem viajou muito
como o tio. Quem me dera! ...
― Viajar ou envelhecer?
― Talvez as duas coisas ...
Sentiu sede de se abrir toda ao tio, explicar aqueles dois pontos que
ele isolara tão bem a rasto da recordação do seu dia de anos no Pico; mas não
achou palavras sensatas, ou pelo menos capazes de serem ditas ali de selim a
selim, nos campos tão bonitos. As culturas começavam a cobrir-se das primeiras
flores singelas; os olhinhos das árvores abotoavam discretamente. O verde-negro
dos pastos, o verde dos Açores, quente e húmido, emborralhava-se até longe. Os
cavalos seguiam de cabeça comprida, fazendo vibrar de vez em quando as ventas.
... Envelhecer não seria; mas era deixar passar um grande espaço de
tempo, como um troço de filme em branco, fechar os olhos ao peso daquela doçura
da volta, tapar os ouvidos como quem teve um mau dia e chora ao meter-se na
cama, moída, gasta ... Na manhã seguinte acordar, mas passados uns anos, longe
do Faial, ou noutro Faial só com o caminho à roda, o Pico em frente ...
gaivotas ... sem ninguém.
O tio tinha dito: «viajar ou envelhecer?» Margarida gastara a resposta
naquele silêncio e os olhos nas orelhas do cavalo.
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