«A solidão, Sr. José, declarou com solenidade o conservador (cargo maior na Conservatória), nunca foi boa companhia, as grandes tristezas, as grandes tentações e os grandes erros resultam quase sempre de se estar só na vida, sem um amigo prudente a quem pedir conselho quando algo nos perturba mais do que o normal de todos os dias.»
José Saramago em Todos os Nomes
A génese de “Todos os Nomes” é uma investigação a que Saramago se entregou para saber algo do seu irmão Francisco, que morrera de difteria no Instituo Bacteriológico Câmara Pestana, mas não há registo da sua presença no Instituo, tão pouco, na Conservatória da Golegã se encontra o registo do seu falecimento. A investigação acaba por determinar que o irmão morrera de uma broncopneumonia no dia 22 de Dezembro de 1924 e foi enterrado na véspera de Natal.
No dia 8 de Novembro de 1996 escreve José Saramago no 4º
volume de Cadernos de Lanzarote:
«Enfim, decifrou-se
o mistério. O Chico – o meu irmão Francisco – faleceu às 18 horas do dia 22 de
Dezembro de 1924, no Instituto Bacteriológico Câmara Pestana, e foi enterrado
às 16,35 horas do dia 24 de Dezembro, véspera de Natal. Tinha quatro anos e
dois meses. Não morreu de difteria, ou garrotilho, como julgara minha mãe, mas
de broncopneumonia. Morávamos então na Rua E, ao Alto do Pina.»
Dias depois, a 22 de Novembro:
«… é também de uma busca que se tratará em Todos os Nomes, um romance que com certeza não existiria (caso venha a existir, nunca se sabe…) se, banalmente, burocraticamente, o averbamento da morte do meu irmão constasse dos registos da Conservatória da Golegã. Digamos que o Francisco de Sousa, falecido na idade de quatro anos e dois meses, será co-autor de um livro que começou a ser escrito setenta e dois anos de pois da sua morte…»
José Saramago
começou a trabalhar em Todos os Nomes no dia 24 de Outubro de 1997, «um
romance onde não haverá nomes. Ter dito todos os nomes seria uma boa razão para
não escrever nenhum.»
O protagonista é um homem de meia idade, funcionário
inferior do Arquivo do Registo Civil. Este funcionário cultiva a pequena mania
de coleccionar notícias de jornais e revistas sobre gente célebre. Um dia
reconhece a falta, nas suas colecções, de informações exactas sobre o
nascimento (data, naturalidade, nome dos pais, etc.) dessas pessoas. Dedica-se
portanto a copiar os respectivos dados das fichas que se encontram no arquivo.
Casualmente, a ficha de uma pessoa comum (uma mulher) mistura-se com outras que
estás copiando. O súbito contraste entre o que é conhecido e o que é desconhecido
faz surgir nele a necessidade de conhecer a vida dessa mulher. Começa assim uma
busca, a procura do outro.
«Pessoas assim,
como este Sr. José, em toda a parte encontramos, ocupam seu tempo ou o tempo
que creem sobejar-lhes a vida a juntar selos, moedas, medalhas, jarrões,
bilhetes-postais, caixas de fósforos, livros, relógios, camisolas desportivas,
autógrafos, pedras, bonecos de barro, latas vazias de refresco, anjinhos,
cactos, programas de ópera, isqueiros, canecas, mochos, caixinhas de música,
garrafas, bonsais, pinturas, canecas, cachimbos, obeliscos de cristal, patos de
porcelana, brinquedos antigos, máscaras de carnaval, provavelmente fazem-no por
algo a que poderíamos chamar angústia metafísica, talvez por não conseguirem
suportar a ideia do caos como regedor único do universo, por isso, com as suas
fracas forças e sem ajuda divina, vão tentando pôr alguma ordem no mundo, por
um pouco de tempo ainda o conseguem, mas só enquanto puderem defender a sua
coleção, porque quando chega o dia de ela se dispersar, e sempre chega esse
dia, ou seja por morte ou seja por fadiga do colecionador, tudo volta ao
princípio, tudo torna a confundir-se.»
O Sr. José fazia tudo com perfeição mas era um homem
infeliz e só.
Isso mesmo lhe chamou a atenção o seu chefe: «os grandes erros resultam quase sempre de
se estar só na vida.»
Eduardo Lourenço:
«Todos os Nomes é a história de amor mais intensa da literatura portuguesa de todos os tempos.»
Legenda: capa de Todos
os Nomes publicado pela Porto Editora. A caligrafia da capa é da
autoria de Miguel Gonçalves Mendes.
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