Quero eu dizer na minha que estas crónicas são também
os dizeres de um fala-só. De modo que fala-sós somos todos: os loucos, que
começaram, os poetas, por gosto e imitação, e os outros, todos os outros, por
causa desta comum solidão que nenhuma palavra é capaz de remediar e que tantas
vezes agrava.
José Saramago em A Bagagem do Viajante.
Segundo livro de crónicas de José Saramago, as crónicas
que publicou em A Capital e no Jornal do Fundão.
Ensaios, passos tímidos, outros decididos para o que virá
a ser toda a sua obra.
Salvar a inteligência.
«Ora, se me permitem, gostaria de exprimir aqui um voto: o de que chegue a este
«Ora, se me permitem, gostaria de exprimir aqui um voto: o de que chegue a este
País o dia em que todos os seus habitantes sejam intelectuais, o dia em
que o
exercício continuado da inteligência seja, não um privilégio de poucos
mas a
natural realização de todos. Não vejo porque há-de ser sempre
incompatível o
desempenho de um ofício dito manual com o estudo contínuo, o esforço da
inteligibilidade, que caracterizam (ou deverão caracterizar) o
intelectual. Não
vejo por que não há-de ser precisamente intelectual o actor que contra
o
intelectual faz rir o público.
Longe de mim, evidentemente, a ideia de considerar intocáveis os
«profissionais
da inteligência»;. Merecem, como qualquer outra gente, ser expostos no
palco da
revista (que deveria ser pelourinho moral, e não o é), mas por motivos
que nada
teriam que ver com o facto de serem intelectuais: o oportunismo, o
compromisso, a falta de carácter - quando destas mazelas sofram. Então,
sim,
implacavelmente, porque são males do espírito e não apenas contra o
espírito.
Não haverá grandes probabilidades de nos salvarmos, se não salvarmos a
inteligência. Até ao dia em que já não farão falta os intelectuais,
porque todos o
serão.»
Legenda: capa de A Bagagem do Viajante publicado pela Porto
Editora.A caligrafia da capa é da autoria do jornalista Adelino
Gomes.
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