sábado, 13 de outubro de 2018

SARAMAGUEANDO



Quero eu dizer na minha que estas crónicas são também os dizeres de um fala-só. De modo que fala-sós somos todos: os loucos, que começaram, os poetas, por gosto e imitação, e os outros, todos os outros, por causa desta comum solidão que nenhuma palavra é capaz de remediar e que tantas vezes agrava.

José Saramago em A Bagagem do Viajante.

Segundo livro de crónicas de José Saramago, as crónicas que publicou em A Capital e no Jornal do Fundão.

Ensaios, passos tímidos, outros decididos para o que virá a ser toda a sua obra.

Salvar a inteligência.

«Ora, se me permitem, gostaria de exprimir aqui um voto: o de que chegue a este
País o dia em que todos os seus habitantes sejam intelectuais, o dia em que o
exercício continuado da inteligência seja, não um privilégio de poucos mas a
natural realização de todos. Não vejo porque há-de ser sempre incompatível o
desempenho de um ofício dito manual com o estudo contínuo, o esforço da
inteligibilidade, que caracterizam (ou deverão caracterizar) o intelectual. Não
vejo por que não há-de ser precisamente intelectual o actor que contra o
intelectual faz rir o público.
Longe de mim, evidentemente, a ideia de considerar intocáveis os «profissionais
da inteligência»;. Merecem, como qualquer outra gente, ser expostos no palco da
revista (que deveria ser pelourinho moral, e não o é), mas por motivos que nada
teriam que ver com o facto de serem intelectuais: o oportunismo, o
compromisso, a falta de carácter - quando destas mazelas sofram. Então, sim,
implacavelmente, porque são males do espírito e não apenas contra o espírito.
Não haverá grandes probabilidades de nos salvarmos, se não salvarmos a
inteligência. Até ao dia em que já não farão falta os intelectuais, porque todos o
serão.»

Legenda: capa de A Bagagem do Viajante publicado pela Porto Editora.A caligrafia da capa é da autoria do jornalista Adelino Gomes.

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