«Jesus morre, morre, e já o vai deixando a
vida, quando de súbito o céu por cima da sua cabeça se abre de par em par e
Deus aparece, vestido como estivera na barca e a sua voz ressoa por toda a
terra, dizendo, Tu és o meu Filho muito amado, em ti pus toda a minha
complacência. Então Jesus compreendeu que viera trazido ao engano como se leva
o cordeiro ao sacrifício, que a sua vida fora traçada para morrer assim desde o
princípio dos princípios, e, subindo-lhe à lembrança o rio de sangue e de
sofrimento que do seu lado irá nascer e alagar toda a terra, clamou para o céu
aberto onde Deus sorria, Homens, perdoai-lhe, porque ele não sabe o que fez.
Depois, foi morrendo no meio de um sonho, estava em Nazaré e ouvia o pai
dizer-lhe, encolhendo os ombros e sorrindo também, Nem eu posso fazer-te todas
as perguntas, nem tu podes dar-me todas as respostas. Ainda havia nele um resto
de vida quando sentiu que uma esponja embebida em água e vinagre lhe roçava os
lábios., e então, olhando para baixo, deu por um homem que se afastava com um
balde e uma cana ao ombro. Já não chegou a ver, posta no chão, a tigela negra
para onde o seu sangue gotejava.»
José Saramago em O Evangelho Segundo Jesus Cristo
O livro da grande
polémica.
«Eu vivo nesta
sociedade: portanto ateu, comunista e tudo isso, Não me retira o direito de
questionar ou de estudar uma figura que é decisiva, é a figura fundamental na
civilização em que eu vivo.»
A mais lamentável
polémica que rodeia este livro, respeita ao governo de Cavaco Silva, mais Santana Lopes e um tal de Sousa Lara, ao
recusarem a inclusão do livro na lista de candidatos ao Prémio Europeu de Literatura.
Entendiam estas três incultas pessoas que Saramago
atacava princípios que tinham a ver com o património religioso português,
dividindo os gentios pátrios.
A ridícula e miserável atitude desse ser inenarrável ser que
dá pelo nome de Cavaco Silva mais os seus «muchachos», é responsável por Saramago
ter ido viver para Lanzarote e, porventura, rasgou os caminhos para que o Nobel
viesse a ser-lhe atribuído.
«Quando o senhor
Sousa Lara já nem a si mesmo se representar, eu ainda representarei este país.»
José Saramago, 2 de Maio de 1992.
Legenda: capa de O Evangelho Segundo Cristo publicado pela Porto Editora. A caligrafia da capa é da autoria do fotógrafo Sebastião Salgado.
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