quinta-feira, 25 de outubro de 2018

SARAMAGUEANDO


«Jesus morre, morre, e já o vai deixando a vida, quando de súbito o céu por cima da sua cabeça se abre de par em par e Deus aparece, vestido como estivera na barca e a sua voz ressoa por toda a terra, dizendo, Tu és o meu Filho muito amado, em ti pus toda a minha complacência. Então Jesus compreendeu que viera trazido ao engano como se leva o cordeiro ao sacrifício, que a sua vida fora traçada para morrer assim desde o princípio dos princípios, e, subindo-lhe à lembrança o rio de sangue e de sofrimento que do seu lado irá nascer e alagar toda a terra, clamou para o céu aberto onde Deus sorria, Homens, perdoai-lhe, porque ele não sabe o que fez. Depois, foi morrendo no meio de um sonho, estava em Nazaré e ouvia o pai dizer-lhe, encolhendo os ombros e sorrindo também, Nem eu posso fazer-te todas as perguntas, nem tu podes dar-me todas as respostas. Ainda havia nele um resto de vida quando sentiu que uma esponja embebida em água e vinagre lhe roçava os lábios., e então, olhando para baixo, deu por um homem que se afastava com um balde e uma cana ao ombro. Já não chegou a ver, posta no chão, a tigela negra para onde o seu sangue gotejava.»

José Saramago em O Evangelho Segundo Jesus Cristo

O livro da grande polémica.

 «Eu vivo nesta sociedade: portanto ateu, comunista e tudo isso, Não me retira o direito de questionar ou de estudar uma figura que é decisiva, é a figura fundamental na civilização em que eu vivo.» 

A mais lamentável polémica que rodeia este livro, respeita ao governo de Cavaco Silva, mais Santana Lopes e um tal de Sousa Lara, ao recusarem a inclusão do livro na lista de candidatos ao Prémio Europeu de Literatura.

Entendiam estas três incultas pessoas que Saramago atacava princípios que tinham a ver com o património religioso português, dividindo os gentios pátrios.

A ridícula e miserável atitude desse ser inenarrável ser que dá pelo nome de Cavaco Silva mais os seus «muchachos», é responsável por Saramago ter ido viver para Lanzarote e, porventura, rasgou os caminhos para que o Nobel viesse a ser-lhe  atribuído.

«Quando o senhor Sousa Lara já nem a si mesmo se representar, eu ainda representarei este país.»

José Saramago, 2 de Maio de 1992.

Legenda: capa de O Evangelho Segundo Cristo publicado pela Porto Editora. A caligrafia da capa é da autoria do fotógrafo Sebastião Salgado.

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