«Em Lisboa, para votar. Encontro alguns amigos preocupados com o
resultado das eleições de amanhã. Tudo aponta para uma vitória folgada de Jorge
Sampaio, mas eles duvidam, parece-lhes ser bom de mais para poder ser verdade.
Apresento um argumento para o qual não há resposta. «É impossível que este país
tenha como presidente da República um homem chamado Aníbal Cavaco Silva. Não
porque não fizesse sentido, mas porque o
faria de mais…»
José Saramago em Cadernos de Lanzarote IV Volume
O 4º Volume dos Cadernos de Lanzarote cobre o ano de
1996.
A 1 de Abril regista
a morte de Mário Viegas:
«Mário Viegas morreu. Era um cómico que levava dentro de si uma
tragédia. Não me refiro à implacável doença que o matou, mas um sentimento
dramático da existência que só os distraídos e superficiais não eram capazes de
perceber, embora ele o deixasse subir à tona da expressão às vezes angustiada
do olhar e ao ricto sempre sardónico e amargão da boca. Fazia rir, mas não ria.
Pouca gente em Portugal tem valido tanto.»
A 17 de Junho a «morte anunciada» de David
Mourão-Ferreira:
«…não era só literariamente que tínhamos ficado mais pobres, que também
ficávamos reduzidos espiritualmente. Ainda que a alguns possa parecer o mesmo,
não o é.»
A 27 de Setembro dá
notícia de que pediu a «Rui Godinho,
vereador da Câmara Municipal de Lisboa, velho amigo e camarada», se
conseguia descobrir a data do falecimento do seu irmão Francisco de Sousa dado
não constar o averbamento do óbito no registo de nascimento e explica: «o que me leva a pedir a tua ajuda tem que
ver com O Livro das Tentações, onde inevitavelmente falar desse Francisco de
Sousa de quem não me lembro tal como estão as coisas agora, é como se eu
tivesse um irmão imortal…»
Este Livro das Tentações será publicado no
ano de Outubro de 2006 mas com o título de Pequenas
Memórias.
A página final é para
nos dizer que o ano entrou em Lanzarote com o acompanhamento de «uma trovoada gigantesca que parecia querer
deitar abaixo o céu e afogar a terra num dilúvio.» e para nos fazer ver que «se entra na velhice quando se tem a
impressão de ocupar cada vez menos lugar no mundo. Durante a infância e a
adolescência cremos que ele é nosso e que para ser nosso existe, na idade
madura começamos a suspeitar que afinal não é tanto assim e lutamos por que o
pareça, começa-se a ser velho quando percebemos que a nossa existência é
indiferente ao mundo. Claro que sempre o tinha sido, mas nós não o sabíamos.»
Legenda: capa de Cadernos
de Lanzarote, Volume IV publicado pela Porto Editora. A caligrafia da
capa é da autoria da escritora Nélida Piñon.
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