Aqui estou eu no meu quarto habitual, onde me parece ter estado sempre.
Como tantas outras manhãs da minha vida, encontro-me em casa a escrever. Ressoa,
vibrante a música Be My Baby, cantada
pelas The Ronettes. Quando tinha dezasseis anos, era a minha canção favorita.
De repente, ouço perfeitamente que alguém acaba de chegar ao patamar, no
elevador. Mas ´estranho. Quem chegou não toca a nenhuma das quatro portas, nem
se decide a abrir nenhuma delas. É como se tivesse ficado indeciso, aturdido ou
simplesmente imóvel, ali. Vivo há tantos anos nesta casa, que controlo muito
bem os sons que se possam ouvir perto da minha porta. Passam quase dois minutos
até que, exactamente quando a canção termina, tocam à minha campainha. Abro.
Vejo um homem, mais ou menos da minha idade. É o estafeta de uma editora e veio
entregar-me um livro. Dá-mo e assino o papel. «As Ronettes…», sussurra o homem,
melancólico. «Põem-me bem-disposto», comento sem me mostrar surpreendido –
embora o esteja – poe ele conhecer The Ronettes. Sorrio, despeço-me, fecho a porta
devagar, com a amabilidade habitual. Fico à escuta atrás da porta e noto que o
homem não entra no elevador. É possível que tenha voltado a ficar imóvel no
patamar. Seguramente, deixou-se ficar encostado a uma parede, quebrado,
desfeito de nostalgia e até a chorar, à espera que volte a pôr-lhe Me My
Baby.
Enrique Vila-Matas em
Diário Volúvel
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