Antologia Poética
Aimé Césaire
Selecção e tradução:
Armando Silva Carvalho
Capa: Fernando
Felgueiras
Cadernos de Poesia nº
16
Publicações Dom
Quixote, Lisboa, Dezembro de 1970
África
enterraram até ao pescoço à coronhada a tua tiara
solar e transformaram-na num colar imundo; a tua visão
estilhaçaram-te nos olhos; protistuíram a tua face
pudica;
amordaçaram, berrando que ela era gutural,
a tua voz que falava no silêmcio das sombras.
África
não receies – o combate é novo,
a torrente viva do teu sangue elabora sem descanso
uma nova estação; a noite é hoje no fundo dos mares
o enorme e instável dorso de um astro meio adormecido
prossegue o teu combate – ainda que tenhas para conjurar o espaço
o espaço apenas do teu nome irritado pelas sevas.
Forçada devassada
ó terra revolvida
pela devassa
saqueada
tatuada
enorme corpo
espesso desfigurado onde o duro focinho resfolegou
África os dias esquecido que não cessam de caminhar
nas conchas enroladas nas dúvidas do olhar
brotarão de encontro à face pública entre ruínas felizes na planície
a árvore branca de protectoras mãos será todas as árvores
em tempestade de árvores entre a espuma estranha e as areias,
as coisas ocultas subirão pela colina das músicas adormecidas
uma ferida de hoje é caverna de levante
um arrepio que sai dos negros fogos esquecido, é,
estigmas saindo da cinza das palavras amargas
cicatrizes, polido e novo, um rosto
de outrora, escondida ave cuspida, ave irmã do sol.
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