«O viajante tem um
gosto, provavelmente considerado mórbido por gente que se gabe de normal e
habitual, e que é, dando-lhe a gana ou a disposição de espírito, ir visitar os
cemitérios, apreciar a encenação mortuária das memórias, estátuas, lápides
e outras comemorações e de tudo isto tirar a conclusão de que o homem é vaidoso
mesmo quando já não tem nenhuma razão para continuar a sê-lo.»
José Saramago em Viagem a Portugal
No dia 15 de Junho de
1981, José Saramago esteve presente na Informação-2 da RTP para falar de Viagem a Portugal.
No dia seguinte,
Mário Castrim escrevia no seu Canal da
Crítica do Diário de Lisboa:
«Raramente a arte de escrever voou tão alto.»
E ainda a procissão
não tinha saído do adro da igreja, caro Mário Castrim.
Sim, Viagem a Portugal é um livro notável.
Não é ensaio, não é
roteiro, não é guia turístico.
O que é?
O amor por uma país,
por um povo, aquilo que somos, «é uma
história.»
Cheiros de hortelã,
praias que ainda não foram destruídas, um sorriso que não se vê há muito tempo,
ou aquele sábio do Oriente que disse: «Não
descrevas lugares por onde passou muita gente. Alguém o fez já e melhor do que
tu.»
Os lugares mais longe
são os que ficam dentro de nós. Não os conhecemos nunca.
Por via da máquina de
divulgação que o Círculo de Leitores possuía, - a 1.ª edição de Viagem de Portugal teve a tiragem de 30.000 exemplares! – o nome de
José Saramago rasga
outros horizontes, passa a ser conhecido por outras gentes e de tudo isso
ressalta a qualidade literária do texto, profusamente ilustrado.
Entre Outubro de 1979
e Julho de 1980, José Saramago percorreu o país a convite e expensas do Círculo
de Leitores, que comemorava o décimo aniversário da sua implantação em
Portugal.
«O viajante viajou no seu país. Isto significa que viajou por dentro de
si mesmo.»
Mas…
«A viagem não
acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em
memória, em lembrança, em narrativa. Quando o viajante se sentou na areia da
praia e disse: «Não há mais que ver»,
sabia que não era assim. O
fim duma viagem é apenas o começo doutra. É preciso ver o que não foi visto,
ver outra vez o que se viu já, ver na Primavera o que se vira no Verão, ver de
dia o que se viu de noite com Sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara
verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não
estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para
traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem, O viajante
volta já.»
Quando a Caminho publicou Viagem a Portugal sem as fotografais que
constituem a edição do Círculo de leitores, Saramago, disse, escreveu
algures, ficou feliz.
O livro tomava o
tamanho de todos os seus restantes livros, os tais livros de capa amarela.
Saramago murmurando: «Toda a viagem é imaginária porque toda a viagem é
memória», ou «A felicidade, fique o leitor sabendo, tem muitos rostos. Viajar
é, provavelmente, um deles. Entregue as suas flores a quem saiba cuidar delas,
e comece. Ou recomece. Nenhuma viagem é definitiva.»
Ou o Sr. Àlvaro
Campos, um cigarro entre os dedos a dizer-nos:
«Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir.
Sentir tudo de todas as maneiras.
Sentir tudo excessivamente,
Porque todas as coisas são, em verdade, excessivas
E toda a realidade é um excesso, uma violência,
Uma alucinação extraordinariamente nítida
Que vivemos todos em comum com a fúria das almas,
O centro para onde tendem as estranhas forças centrífugas
Que são as psiques humanas no seu acordo de sentidos.»
Sentir tudo de todas as maneiras.
Sentir tudo excessivamente,
Porque todas as coisas são, em verdade, excessivas
E toda a realidade é um excesso, uma violência,
Uma alucinação extraordinariamente nítida
Que vivemos todos em comum com a fúria das almas,
O centro para onde tendem as estranhas forças centrífugas
Que são as psiques humanas no seu acordo de sentidos.»
Legenda: capa de Viagem a Portugal publicado pela Porto Editora. A caligrafia da
capa é da autoria de Maria Alzira Seixo.
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