Pôr o jornal ao serviço das classes trabalhadoras, ao
serviço do proletariado industrial e agrícola, ao serviço do socialismo, para
tudo dizer em uma palavra.
José Saramago no
prefácio a Os Apontamentos
No próximo 25 de Novembro,
aqui se publicará uma afirmação do Luiz Pacheco:
«O Saramago é o grande vencedor do 25 de Novembro.»
Os Apontamentos
reúne os editoriais que José Saramago publicou enquanto director-adjunto do Diário de Notícias.
Por motivos que desconheço, a Porto Editora ainda não
colocou nos escaparates das livrarias As
Opiniões que o DL Teve bem como O Ano de 1993.
Provavelmente o pormenor deverá envolver a questão de que
ainda não se encontrarão esgotados os exemplares que foram publicados pela
Caminho/Leya.
Provavelmente…
No essencial sobre José Saramago, Maria Alzira Seixo
aborda estes dois livros:
«Nas Opiniões,
Saramago manifesta as interrogações e perplexidades a que podia ter direito a
condicionada liberdade de expressão dos tempos do caetanismo; nos Apontamentos (e
apenas dois anos mais tarde, portanto), assume uma frontal posição de
coincidência com o processo revolucionário de 75, não escamoteando, no entanto
(e será bom recordá-lo!), críticas severas a algumas das faces desse processo;
dois longos anos, de um lado, seis escassos meses, do outro, em precipitado
empenho de construção que se termina pela decepção do seu abalo. É urgente
reler estes dois livros à luz do presente, relembrar muitos dos
condicionamentos que o imediato ante-25 de Abril impunha à condição humana
portuguesa e percorrer com minúcia o modo como o Diário de
Notícias acompanhou esse crucial período da nossa história, entre o 11
de Março e o 25 de Novembro, a ver se de uma vez por todas se tenta compreender
uma acção que, com irregularidades e deficiências (que aliás o próprio
articulista constantemente admite), marcou de modo determinante a vida
portuguesa dos tempos da revolução, que sem a suficiente ponderação se tem de
modo fácil e leviano constantemente condenado, muitas vezes como alibi para
outros erros e para outras formas menos confessadas de influência incerta sobre
o processo democrático que, após o 25 de Abril, nos deu ao menos este bem
preciso da liberdade. Tendem uns a esquecer que José Saramago foi figura
central dessa acção, para poderem agora enaltecer com boa consciência os seus
méritos de romancista; outros manterão bem viva a lembrança da sua luta, e com
ela farão esmorecer o reconhecimento da importância da sua actividade
literária; como se fosse impossível integrar no modelo de uma personalidade
humana coerências, contradições, opções de vida, linhas de acção, tudo o que
nos faz ser com os outros e dos outros simultaneamente nos diferencia; como se
fosse possível (talvez porque não seja vantajoso...) reconhecer o outro na sua
especificidade insuspeitada e assim eliminar todo, mas todo, o fanatismo. Do
nosso ponto de vista, estas duas colectâneas, que vivem fundamentalmente do
jornalismo político e conjuntural, sem pretenderem uma integração imediata nos
domínios da literatura, constituem documentos de grande importância para a
história da cultura contemporânea, ponto de vista de um grande escritor sobre o
tempo que ele ajudou a formar.»
Durante o tempo de
permanência de José Saramago à frente do Diário
de Notícias, ocorre o episódio do saneamento de jornalistas que não estavam
de acordo com a orientação política que o jornal, em defesa do 25 de Abril,
mantinha.
Saramago não se
cansou de tentar repor a verdade do que ocorreu naquela noite de Verão Quente.
Esta é a que, em
1999, apareceu nas páginas do JL:
« A história do Diário de Notícias é uma das
histórias mais mal contadas deste país. E eu vou conta-la, tentando que,
finalmente, passe a ser bem contada. Mas sem grande esperança disso. Estamos em
75, sou director adjunto, Luís de barros está de férias, sou eu quem conduz o
jornal. (Há que dizer que até essa altura alguns jornalistas tinham sido
despedidos. Curiosamente sem nunca o director-adjunto ter tido qualquer
intervenção nesse aspecto.) Uma tarde entram-me pelo gabinete três ou quatro
jornalistas (não me lembro quem)). Traziam um papel assinado por trinta
jornalistas (e não só jornalistas), no qual se discordava da orientação do
jornal. Para denúncia e protesto, exigia-se a publicação desse papel na edição
do dia seguinte. Li, disse que não estava de acordo, nem me parecia que
tivessem razão (“vivemos no tempo que vivemos, o jornal tem esta linha, está ao
lado da Revolução”). Acrescentei: “Não vou dizer que isso não se publica,
lembro-vos só de que nesta casa há uma entidade que está acima da direcção e de
certo modo também acima da administração e que se chama Conselho Geral de
Trabalhadores (era o tempo em que estas coisas existiam). Vou, portanto chamar
os responsáveis do CGT para que o Conselho reúna hoje e se acharem que isto
deve ser publicado, será publicado”. Foram-se embora, chamei os responsáveis do
CGT, contei-lhes o que se passava e pedi-lhes que convocassem toda a gente para
a meia-noite. A essa hora chamam-me, lá a cima, já estava toda a gente, eu vou,
levo o papel, lei-o, dou a minha opinião (o que era normal), e desço para o meu
gabinete à espera das conclusões do debate. Em que não participei. Quando
aquilo terminou, os mesmos responsáveis do CGT vêm-me comunicar que se tinha
decidido suspender os não já trinta (porque tinham passado a ser 23) e
recomendado à administração que lhes instaurasse processos disciplinares. Este
foi o crime praticado pelo director-adjunto do Diário de Notícias, José
Saramago.»
Legenda: capa de Os
Apontamentos publicado pela Porto Editora. A caligrafia da capa é da
autoria da actriz e encenadora Maria do Céu Guerra.
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