Hoje vi uma mão
sair de uma janela da prisão, na direcção do mar. Eu andava a passear pelo
paredão do porto, como é meu costume, chegando até às traseiras da velha
fortaleza. A fortaleza está toda encerrada dentro das suas muralhas oblíquas;
as janelas, defendidas por gradeamentos duplos ou triplos, parecem tapadas. Mesmo
sabendo que aqui estão encerrados os presos, sempre vi a fortaleza como um
elemento da natureza inerte, do reino mineral. Por isso a aparição da mão
espantou-me como se tivesse saído da rocha. A mão não estava numa posição
natural; suponho que as janelas estão situadas no alto das celas e encravada na
muralha; o preso deve ter realizado um esforço de acrobata, aliás de
contorcionista, para passar o braço por entre as grades de modo a fazer
despontar a mão ao ar livre. Não era um sinal de prisioneiro, nem para mim nem
para qualquer outro; pelo menos, não o tomei como tal; aliás nessa altura nem
pensei de modo nenhum nos presos; diria que a mão me pareceu branca e fina, uma
mão não diferente das minhas, em que nada indicava a rudeza que se espera de um
condenado. Para mim foi como um sinal que vinha da pedra; a pedra queria advertir-me de que a
nossa substância era comum e por isso ficaria algo do que constitui a minha
pessoa, não se perderia com o fim do mundo: ainda será possível uma
comunicação no deserto falto da vida, privado da minha vida e de todas as
minhas lembranças. Falo das primeiras impressões registadas, que são as que
contam.
Italo Calvino em Se Numa Noite de Inverno Um Viajante
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