Os médicos autorizaram-me o uso moderado de bebidas alcoólicas. Para
festejar a notícia, ao entardecer entrei na taberna A Estrela da Suécia, para
beber uma taça de rum quente. Al balcão havia pescadores, guardas fiscais,
carregadores. Acima de todas as vozes pontificava a de um velho fardado de
guarda prisional, que desatinava ebriamente num mar de verborreia: - E todas as
quartas-feiras a donzela perfumada me dá uma nota de cem coroas para que a
deixe a sós com o recluso. E à quinta as cem coroas já marcharam em cerveja que
nunca mais acaba. E quando chega ao fim da hora da visita a donzela sai com o
fedor da cadeia nos seus vestidos elegantes; e o recluso torna para a cela com
o perfume da donzela na sua roupa de condenado. E eu fico com o cheiro da
cerveja. A vida não passa de uma troca de cheiros.
- A vida e também a morte, podes dizê-lo – respondeu outro bêbado, cuja
profissão, como fiquei logo a saber, era coveiro – Eu com o cheiro da cerveja
tento tirar de cima o cheiro a morto. E só o cheiro a morto te tira da cima o
cheiro a cerveja, como a todos os bebedores a que tenho de abrir a cova.
Interpretei este diálogo como um aviso para me pôr em guarda: o mundo
está a desfazer-se e tenta atrair-me para a sua dissolução.
Italo Calvino em Se Numa Noite de Inverno Um Viajante
Sem comentários:
Enviar um comentário