Carta de António José
Saraiva, 4 de Fevereiro de 1988, para Óscar Lopes.
A nossa História da Literatura nasceu do encontro de duas
subjectividades que em dado momento se encontravam próximas e que estavam por
definir em muitos pontos, nomeadamente nesse da qualidade/quantidade. Foi um
acontecimento intersubjectivo. Eu e Tu não são substituíveis, o acontecimento
não se pode reiterar. Nesta perspectiva é um acontecimento único. Mas em dado
momento foste tu quem prosseguiu para a frente (com a literatura moderna) e a
intersubjectiva cessou. De resto a tua opção quantitativista é a do discurso
mais comum, mais comunicável e por isso mais produtivo. Eu fiquei isolado e com
uma dificuldade cada vez maior de me exprimir. Do ponto de vista quantitativo
tu é que tens produzido a maior parte do trabalho, e eu tenho aproveitado
injustamente da nossa associação, isto é da nossa firma, entidade objectiva que
já está longe da experiência intersubjectiva que deu origem ao livro na nossa
longínqua juventude.
Devo acrescentar que estou com a capacidade de trabalho muito diminuída
e que ponho à frente de qualquer outro o meu livro sobre a geração de 70, que
gostaria de acabar antes de acabar a vida. A solução honesta seria tu fazeres
só com o teu nome o 2º volume (depois da Geração de 70) e eu esforçar-me na
medida das minhas forças, por reeditar o 1º . Foi uma experiência talvez única
de intersubjectividade e valeria a pena tentar continuá-la. Mas é possível? A
Alma e o Mundo são incompatíveis: há muito tempo que se sabe isso, mas nós
estivemos perto de provar o contrário.
Legenda: capa da 3ª edição História da Literatura Portuguesa.
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