Em 1969, João César Monteiro
realizou um documentário sobre Sophia de Mello Breyner Andresen.
Numa entrevista ao Tempo e o Modo, Março/Abril de 1969, e
incluída em Os Que Vão Morrer Saúdam-te,
perguntaram-lhe como tinha nascido a ideia, e respondeu do modo de que muito
gostava:
«Sempre que chega o Verão começo a ficar aterrorizado
com a perspectiva de ter que o passar em Lisboa. O Agosto em Lisboa é terrível.
Andam-se léguas e léguas para se descobrir um tipo amigo. Está tudo nas praias
com as mulheres e os meninos. Pode-se procurar a sombra de uma árvore, mas a
páginas tantas começa-se a dar conta de quão confrangedora é essa aliança.
A única solução é escrever. Cartas sobre tudo: a pedir
emprego, a insultar credores, cartas imbecis em que se fica à mercê da menina K
que, por seu turno, passa bem muito obrigado».
E mais adiantou:
«No que ao meu filme diz
respeito, suponho que, antes de mais, ele é a prova, para quem a quiser
entender, que a poesia não é filmável e não adianta persegui-la. O que é
filmável é sempre outra coisa que pode ou não ter uma qualidade poética. O meu
filme é a constatação dessa impossibilidade, e essa intransigente vergonha
torna-o, segundo creio, poético, malgré lui. Creio também, e acho espantoso que
a crítica não tenha dado por isso (o que, aliás, só reforça uma impressão velha
sobre a infinita ignorância da dita), que muito mais do que um filme sobre a
Sophia que, para mim, só de um modo aleatório é parte dele, o meu filme é um
filme sobre o cinema nele.»
Não deixando de referir:
«Gosto bastante da poesia da Sophia, gostei de participar na pequena
aventura que foi filmá-la, mas o Camilo seria um filme muito mais pessoal por
pessoal empenho nele.»
O entrevistador ainda
perguntou se o filme não poderia constituir uma mudança na vida do
documentarismo português.
Ao que o João
respondeu:
«Não faço ideia. Acabei o filme em Dezembro e de então para cá tenho
feito publicidade e comprado camisolas de gola alta. Não se muda nada a comprar
camisolas de gola alta. Nem sequer o carácter.»
Comprar camisolas de
gola alta…
Ricardo Malheiro,
produtor do documentário sobre Sophia, disse ao João:
«Porra! Você parece mais um mendigo que um realizador!»
Seixas Santos falara
a João César Monteiro numa ideia de Ricardo Malheiro produzir uma série de
curtas-metragens sobre personalidades de relevo no panorama cultural português.
Era uma oportunidade mas João César não acreditava que alguém estivesse
disposto a apostar na sua criatura.
«Todavia, o Seixas e, depois, o António-Pedro convenceram o Malheiro
que eu era genial, apesar de não arriscarem meio tostão em mim.»
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