segunda-feira, 1 de outubro de 2018

O QU'É QUE VAI NO PIOLHO?


Em 1969, João César Monteiro realizou um documentário sobre Sophia de Mello Breyner Andresen.

Numa entrevista ao Tempo e o Modo, Março/Abril de 1969, e incluída em Os Que Vão Morrer Saúdam-te, perguntaram-lhe como tinha nascido a ideia, e respondeu do modo de que muito gostava:

«Sempre que chega o Verão começo a ficar aterrorizado com a perspectiva de ter que o passar em Lisboa. O Agosto em Lisboa é terrível. Andam-se léguas e léguas para se descobrir um tipo amigo. Está tudo nas praias com as mulheres e os meninos. Pode-se procurar a sombra de uma árvore, mas a páginas tantas começa-se a dar conta de quão confrangedora é essa aliança.
A única solução é escrever. Cartas sobre tudo: a pedir emprego, a insultar credores, cartas imbecis em que se fica à mercê da menina K que, por seu turno, passa bem muito obrigado».

E mais adiantou:

 «No que ao meu filme diz respeito, suponho que, antes de mais, ele é a prova, para quem a quiser entender, que a poesia não é filmável e não adianta persegui-la. O que é filmável é sempre outra coisa que pode ou não ter uma qualidade poética. O meu filme é a constatação dessa impossibilidade, e essa intransigente vergonha torna-o, segundo creio, poético, malgré lui. Creio também, e acho espantoso que a crítica não tenha dado por isso (o que, aliás, só reforça uma impressão velha sobre a infinita ignorância da dita), que muito mais do que um filme sobre a Sophia que, para mim, só de um modo aleatório é parte dele, o meu filme é um filme sobre o cinema nele.»

 Não deixando de referir:

«Gosto bastante da poesia da Sophia, gostei de participar na pequena aventura que foi filmá-la, mas o Camilo seria um filme muito mais pessoal por pessoal empenho nele.»

O entrevistador ainda perguntou se o filme não poderia constituir uma mudança na vida do documentarismo português.

Ao que o João respondeu:

«Não faço ideia. Acabei o filme em Dezembro e de então para cá tenho feito publicidade e comprado camisolas de gola alta. Não se muda nada a comprar camisolas de gola alta. Nem sequer o carácter.»

Comprar camisolas de gola alta…

Ricardo Malheiro, produtor do documentário sobre Sophia, disse ao João:

«Porra! Você parece mais um mendigo que um realizador!»

Seixas Santos falara a João César Monteiro numa ideia de Ricardo Malheiro produzir uma série de curtas-metragens sobre personalidades de relevo no panorama cultural português. Era uma oportunidade mas João César não acreditava que alguém estivesse disposto a apostar na sua criatura.

«Todavia, o Seixas e, depois, o António-Pedro convenceram o Malheiro que eu era genial, apesar de não arriscarem meio tostão em mim.»


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