Para mim, a Ribadouro, esquina
do fundo da Rua do Salitre com a Avenida da Liberdade, está sempre agarrada
ao Belarmino, filme
do Fernando Lopes, ali pensado, escrito, encenado, discutido.
Também conhecida pela Universidade do Tremoço.
O José Cardoso Pires em A Balada da
Praia dos Cães:
«O chá na cervejaria Ribadouro: Isto não é uma cervejaria, é uma baía de
cascas de tremoços com canecas à deriva. Chulos do Parque Mayer a atacarem o
fastio na perna da boa santola, chauffeurs de praça a combinarem a sua
bandeirada de jogo num casino clandestino para os lados de Arroios ou para
Campolide que são bancas de entendidos por onde a polícia faz que não vê. Um
galador de coristas a puxar fumaças à distância. A dono Lurdes abortadeira.
Mestres-de-obras a arrrotar! Oh, senhores.»
Quantos finos, quantos bifes com ovo a
cavalo, quantas conversas pela noite dentro, a esperança vã de mandar Salazar
borda fora.
O que ainda tivemos de esperar!...
Hoje, a Ribadouro está
mais voltada para os turistas, para uma classe específica, gente que
encheu os bolsos de dinheiro para, nos tempos que correm, nos acusarem de que
andámos a viver acima das nossas possibilidades.
Já não anda por lá a malta do Parque
Mayer, gente do jazz, das escritas, dos jornais, o clã da Ribadouro.
Assim de memória, alguma da rapaziada
desse clã: Fernando Lopes, Canto e Castro, Manuel de Azevedo, Baptista-Bastos,
Manuel da Fonseca, José Cardoso Pires, Alexandre Vieira, Carlos de Oliveira,
rapazes, outros já entradotes, que, no fundo, só queriam assaltar a
felicidade, felicidade que, como dizia o Saint-Just, era possível.
Esperanças, sonhos, amores, desamores,
frustrações, andaram por aquelas mesas, juntamente com cervejas,
tremoços, cafés, o que calhava.
Não consigo passar junto à Ribadouro, sem
que os passos se encaminhem para o balcão, beber um copo de cerveja
clara, Sagres, naturalmente, olhar as mesas, agora atoalhadas para
turistas e gente fina, e sentir o rumor das conversas, não deixando de seguir
os ditames do José Gomes Ferreira:
«Saudades de não poder inventar o
futuro. Às mais variadas horas, desde as sete da manhã até ao fim da tarde.»
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