domingo, 22 de agosto de 2021

RELANÇANDO COMEÇOS DE LIVROS


Acima de tudo gosta de livros.

Já comprou livros pelos começos, já comprou livros pelas capas – a capa de um livro é uma arte a que hoje pouco se liga e há capas muito bonitas .-, já comprou livros pelos finais.

Mas, acima de tudo, gosta de livros.

 Era o tempo em que havia livrarias e se folheavam livros naqueles silêncios monásticos.

Maria Gabriela Llansol, escritora em que nunca conseguiu entrar, apesar de diversas tentativas – o problema é todo dele! – escreveu um livro, Na Casa de  Julho e Agosto, que começa assim:

«O começo de um livro é precioso. Muitos começos são preciosíssimos. Mas breve é o começo de um livro – mantém o começo prosseguindo. Quando este se prolonga, um livro seguinte se inicia. Basta esperar que a “decisão da intimidade” se pronuncie.»

Dinis Machado no começo de Reduto Quase Final:

«Abertura com a mais velha estação de comboios do mundo» e acrescenta: «Qualquer maneira de começar é uma boa maneira de começar».

Para começar, havia muitos excelentes começos de livros, mas o começo de Paixões e Trabalhos de Benito Prada de Fernando Assis Pacheco, é simplesmente extraordinário.

Terrível aquele até lhe assava a memória.

«Quando o Padeiro Velho de Casdemundo teve a certeza de que Manolo Cabra lhe desfeiteara a irmã, em dois segundos decidiu tudo. Nessa mesma noite matou-o de emboscada, arrastou o cadáver para o palheiro e foi acender o forno com umas vides que comprara para as empanadas da festa de San Bartolomé.

O irmão do meio encarregou-se de cortar a cabeça ao morto. O Padeiro Velho amanhou-o e depois chamuscou-o bem chamuscado. Às duas da manhã untou o Cabra de alto a baixo com o tempero, enfiando-lhe um espeto pelas nalgas. Às cinco estava assado.
«Caramba», disse o irmão do meio, que admirava todas as invenções do mais velho, «é à segoviana!»
«Mas não lhe pões o dente», cortou o outro.
Entretanto o mais novo, regressado já do Pereiro, aonde fora avisar o Padre Mestre, manifestou desejos de capar Manolo Cabra. O do meio olhou muito sério para o Padeiro Velho. Este cuspiu enojado e decretou:
«É tudo para os cães. E agora tragam-me lá a roupa do fiel defunto, que já não tem préstimo senão no inferno.»
Se perguntassem ao Padeiro Velho o que mais queria naquele momento, teria respondido:
«Assar-lhe até a memória.»

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