É, andei por aí.
Com gente, procurando
gente, pontes e vales, tem sido assim esta vida. E houve aquele dia, 25 de
Abril de 1974.
Dizem que por um
Abril houve uma revolução, outros dizem que houve um golpe de estado, outros
ainda que houve uma abrilada, sucederam coisas gritadas nas ruas, outras soavam
nas sombras clandestinas.
Na escola disseram
aos miúdos que tinham que ir para casa, estava a acontecer qualquer coisa em
Lisboa.
Que comemoramos hoje?
Que resta daquele dia?
O chefe de redacção
telefonou ao repórter, gritou-lhe: Salta
da cama. A Revolução está na rua e é precisos escrevê-la!
Isso é passado, é tão
passado que eu já não comemoro o 25 de Abril. Sentir-me-ia um irresponsável
celebrando qualquer coisa de que hoje não posso ver nenhum sinal, daquilo que o
25 de Abril trouxe.
Podemos saudar o
desespero que nos invadiu perante algo que falhou?
Estragaram a tua
festa pá!, cantaram no outro lado do Atlântico.
Houve quem dissesse
que as revoluções são sonhadas por idealistas e realizadas por fanáticos, e
quem delas se aproveita são os oportunistas de todas as espécies.
O 25 de Abril é um
dia e são dias. É daquelas datas que se constelam que estão antes de hoje, que
hoje ecoam ainda, e que tremeluzirão no depois de hoje.
Quase sem darmos por
isso, milhares de pessoas invadiram as ruas, ofereceram pão e cravos aos
soldados, deram as mãos, sorriram, dos olhos saltavam sonhos e esperanças.
Alguém perguntou como
era possível tanta e tanta gente quando meses antes, semanas antes, dias antes,
eram tão poucos aqueles que apareciam para escrever palavras de ordem nas
paredes da cidade, colar cartazes, distribuir uns panfletos impressos a
stencil…
Será a memória curta?
Apaga-se com facilidade?
O apagamento de
memória é chocante.
Deste dia até ao 1º
de Maio, é provável que muitos devem ter dormido, mas não se lembram bem. Uma
semana de loucura já ninguém me tira, posso não ser feliz mas poucos chegaram
tão perto disso a que chamam felicidade.
É preciso ter vivido
os anos terríveis, o tempo do desprezo, um tempo de ratazanas, para que aquele
dia tivesse sido o que foi, um navio de sonho, uma nave de loucos,
protagonistas duma enorme esperança, depois figurantes de um grande desencanto.
Terá sido assim há
tanto tempo?
A ditadura acabou por
ser derrubada por militares que antes desprezávamos.
Dezassete horas e 45
minutos bastaram para abater um regime que oprimiu o povo português durante 47
anos, 10 meses, 34 dias e algumas horas.
Teremos feito tudo
para que as novas gerações fossem mais felizes?
Vale a pena assinalar
a data quando nos esquecemos de ensinar a importância que aquele dia nos
trouxe? Olham-se as pessoas de hoje, os jovens de hoje, formam um grupo largo e
variado mas, olhando bem, estamos todos muito mal no retrato de conjunto…
Algures, numa dobra
da história, alguma coisa falhou. O cantor, de viola às costas, acabou por
dizer que houve alguém que se enganou.
A culpa é de todos, a
culpa não é de ninguém.
Naqueles dias, quase
poderíamos dizer que a paisagem mudara para sempre.
As paisagens até
podem mudar, o resto… o resto… o resto… é uma chatice… um busílis de questão…
O escritor perguntava
e respondia: para que serve a utopia? Serve para que eu não deixe de caminhar.
Um dia voltaremos a
encontrar-nos todos no imponderável azul celeste.
E recomeçamos a busca
dum país liberto, duma vida limpa e dum tempo justo.
Mas será que ainda
verei alguém desenhar os nomes daqueles que, na sombra, nos lixaram a festa?
Montagem concedida
com textos de:
Jorge Silva Melo, Virgílio Martinho,
Baptista-Bastos, José Saramago, Rui Cardoso Martins, Chico Buarque, Manuel
António Pina, Manuel Gusmão, Rodrigues da Silva, João Gobern, José Mário
Branco, Eduardo Galeano, Mário Dionísio, Cristina Carvalho, Sophia de Mello
Breyner Andresen.
Legenda: pintura de
Vieira da Silva
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