Até Julho de 1981 aqui foi a Leitaria Garrett, um dos últimos lugares de convívio da cidade. Mas o lucro infernal e vertiginoso das imobiliárias não se compadece com poesia, melancolias, companheirismos.
Encerrada a porta da leitaria, passou a ser lugar de outros comércios.
No tempo em que tirou
a fotografia, já não lembra quando, era uma loja de trapos ou, como Paula
Bobonne quer que se diga, uma boutique.
A Leitaria Garrett, número 46 da rua com o mesmo nome, era um quase corredor
transformado em pequeno e acolhedor café, largamente frequentado por artistas
das belas-artes e outras artes, um ar de leitaria à antiga, nada de cromados,
formica, plásticos.
Personagem assíduo era o Vitorino, alentejano do Redondo, a sua boina, imensas
gargalhadas, um
murmurar-cante-alentejano-menina-que-estás-à-janela-com-o-teu-cabelo-à-lua.
Em 1984 fez um disco, Leitaria Garrett, mas dentro, um panfleto, da autoria
do Hipólito Clemente, refere que são Doze Lindas Canções à Leitaria Garrett.
Tinha um bom café de saco, quatro ou cinco mesas permanentemente ocupadas pelos
artistas.
Em tantos e tantos anos de frequentar a Leitaria Garrett, nunca
conseguiu sentar-se a uma daquelas poucas mesas. Tomava a bica ao balcão, e olhava os
que sentados estavam, esperando a chegada de outros artistas para lhes ceder o
lugar, assim como lugares cativos das artes porque, aparentemente, os artistas
não queriam outros cús por ali sentados.
Talvez por isso, o Sr. João tenha concluído que pouco lucro escorria daqueles
escassos metros quadrados, permanentemente, ocupados pelos artistas e vendeu a
leitaria. E nem o passar da mão pelas doces coxas das artistas das artes-belas,
segundo a letra do Vitorino, lhe deu para manter a porta aberta.
Diz talvez, porque nunca soube a razão de a “Leitaria Garrett” ter encerrado a
porta e também porque adora teorias da conspiração.
Fosse pelo que fosse, fechou a porta e aí acaba a história, o tempo em que aLeitaria Garrett passou a ser apenas a memória de gente a falar sós sem serem
loucos…
Mais tarde o Sr. João acabou por mover um processo ao Vitorino por utilização abusiva da sua imagem. Não sabe qual foi o desfecho do processo movido pelo Sr. João, se é que chegou a existir processo.
Através de um anúncio, publicado
no Diário de Lisboa 6 de Agosto de 1981, os
artistas-donos-das-mesas-da-Leitaria-Garrett, (marginais, empregadinhas, cantadores,
professores, intelectos e aristocratas) fizeram publicar um anúncio, dando
conta da romagem de eterna saudade.
Não sabe do processo
do Sr. João, mas sabe dizer das possíveis mágoas da solidão que aqueles
artistas enfrentaram, até terem encontrado um poiso pela grande cidade, cada vez
mais desfeada e descaracterizada, para se olharem nos olhos, conversarem.
Poderia, aproveitando a boleia, falar das peregrinações que escritores, poetas e pintores, (olá! José Gomes Ferreira, Carlos de Oliveira, Augusto Abelaira, Fernando Lopes Graça, Nikias Skapinakis tantos e tantos grande nomes deste país de esquecer gente)) tiveram que fazer, ainda nos tempos negros e amargos da ditadura salazarenta, quando começaram a fechar cafés e a abrir sucursais de bancos.
2 comentários:
Esta gente não quer saber de histórias, dos poetas, dos livros, dos músicos -mas isso dá algum dinheiro?- eles querem é dinheiro, lucro, milhões e, infelizmente, constato cada vez mais que esta (in)cultura do dinheiro/lucro/milhões está infiltrada por tudo quanto é sítio e pessoa, e quando eu me indigno contra tal (in)cultura caem-me logo em cima -mas isso dá algum dinheiro; para que é que queres tanto livro?
Tristes, eles nem sabem nem sonham...
O dinheiro é importante apenas para cumprir as simples e despretensiosas despesas do dia-a-dia.
E a morte apenas requer tempo e paciência.
Certa como ela é, sempre entendi que se estiver almofadado com as mais diversas leituras, os mais diversos filmes, as mais diversas músicas, ainda dará para sorrir à manganona.
Enviar um comentário