Há gente que deveria
estar proibida de morrer.
Uma qualquer entidade
deveria determinar e mandar publicar.
Em 19 de Outubro de 2012 o Manuel António Pina deixou de ir ao Café Piolho, à Cervejaria Convívio, pela doença que lhe saltou flagrantemente em cima, já o deixara de fazer mas aquele dia marca a impossibilidade física. Tudo o resto estará por aqui junto daqueles para quem uma série de gente nunca morre.
Poderia eu sobreviver
se deixasse de ter montanhas de jornais e revistas amontoadas pelos cantos,
para ler, para reler para recortar, eventualmente para arquivar? Claro que
poderia, mas não era bem a mesma coisa. Como ter cortado no gin-tónico, nas
cigarrilhadsa, nas charutadas, por aí fora…
Estes dias, estúpidos
desenfreados, sem ponta de norte, têm dado para andar a aliviar as tais
montanhas de papelada escrita, acumulada pelos cantos.
Uma parte dessa
papelada diz respeito à morte do Manuel António Pina.
A capa do Público de
20 de Outubro de 2012 guarda uma fotografia do Pina quase perfeita: livros, o
olhar sereno, uma cigarrilha entre os dedos da mão direita. E não é perfeita
porque faltam os gatos que o levavam a escrever as deliciosas crónicas para a
última página do Jornal de Notícias para ter possibilidade de os alimentar ou os
levar ao veterinário.
Homem recto,
competente, solidário lúcido, simples, carregado de humor e ironias, um sábio,
um príncipe, «eu posso lá morrer terra
florida», gritou um outro poeta.
«Tinha um sorriso que era uma janela aberta sobre o coração», disse
o jornalista Germano Silva, seu camarada no Jornal
de Notícias, companheiro-mor das noitadas portuenses.
«Se hoje as nossas lágrimas estavam a precisar de uma grande razão, tu
acabaste de no-la dar», escreveu José Alberto Lemos, também da redacção do Jornal de Notícias, também camarada de
boémias.
A tarde é quase
noite.
E das montanhas de papelada ao canto da sala, apenas aliviei dois, três jornais.
Culpa do Manuel António Pina.
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