sexta-feira, 15 de abril de 2022

CHAMEM A POLÍCIA...!!! DA ESTÉTICA...



Em Março de 2005, pouco antes de ser submetido a uma intervenção cirúrgica após lhe ter sido diagnosticado um aneurisma cerebral, Neil Young  gravou em Nashvile “Prairie Wind”, um dos seus bons álbuns acústicos.

A sombra da morte paira um pouco sobre este disco. 

Uns meses antes e na sequência de uma longa doença degenerativa, tinha falecido o pai de Young, a cuja memória muitas das canções do álbum são dedicadas. E, como é natural, estaria ainda bem viva a tomada de consciência por parte do próprio Young de que, não fora o diagnóstico da sua doença ter sido tão precoce, poderia muito bem ter ido desta para melhor…


Mas Young regressou à tona da vida pleno de ânimo e de pujança, como quase sempre sucede quando se sobrevive a coisas destas. E, para o provar, decidiu fazer dois concertos no Ryman para celebrar o seu “come back” e efectuar a apresentação mundial do novo disco. Esses espetáculos tiveram lugar nos dias 18 e 19 de Agosto desse mesmo ano de 2005 e foram filmados por Jonathan Demme, o célebre realizador de “O Silêncio dos Inocentes”.


O filme daí resultante chama-se “Neil Young – Heart of Gold” e é uma das melhores gravações de concertos que conheço.  Quem, como é o meu caso, preferir o Neil Young acústico ao “elétrico” não o deverá perder.

Deliberadamente (dá-o a entender nos “extras” que integram a edição em DVD), Jonatham Demme procurou homenagear as antigas gravações do “Grand Ole Opry” que se fizeram no Ryman muitas décadas antes e que se lembrava de ter visto na sua adolescência.

Para a filmagem foram utilizadas várias câmaras, mas elas mexem-se muito pouco e tudo se harmoniza no trabalho final de montagem. Não andam esfuziantes a saltar de um lado para o outro nem tão-pouco perdidas a esvoaçar pelo meio dos espectadores, como tantas vezes vemos em filmagens desta natureza. A assistência, aliás, nunca nos é mostrada, embora oiçamos os seus aplausos.


Os cenários são simples e de bom gosto  e o trabalho de iluminação excelente, não sendo feito para se exibir a si próprio, mas sim para melhor pôr em evidência o que está e o que se passa em cima do palco. 

A própria indumentária de todos os intervenientes é muito sóbria e parece ter saído diretamente dos anos 50.

Perpassa por todo o filme a nostalgia de um tempo que passou, de um Ryman e de uma  Nashville que já não são os mesmos… De qualquer coisa que desapareceu e já não volta mais…

Numa das suas raras intervenções entre músicas, Neil Young afirma a determinado passo, com algum otimismo, apesar de tudo: 

“Se olharem para a Nashville de hoje há muitos mais carros e edifícios novos. Muitas vezes, penso no que Hank Williams diria se saísse pela porta dos artistas a caminho do Mootsie’s, olhasse e visse ali o Gaylord Entertainment Center. Acho que as coisas mudaram mas o espírito continua aqui e isso é uma coisa bonita”.


Quem também se manifestou, com alguma nostalgia, acerca das mutações que o tempo provocou no “skyline” de Nashville foi Emmylou Harris, que  participou nos dois concertos

No início do seu filme, Jonathan Demme começa por fazer uma série de curtas entrevistas ao próprio Neil Young e a alguns dos músicos que o acompanham em palco.

O principal tema da entrevista de Young é a história de “Prairie Wind”, o álbum que motivou a reunião.


As entrevistas dos restantes participantes versam sobre a relação de cada um deles com Neil Young, mas também da respetiva relação com Nashville, já que quase todos por lá trabalhavam há já algumas décadas.  E em todas elas se sente essa nostalgia de que vos falo, de um tempo que passou e já não volta mais…

Quanto a Emmylou Harris, fala-nos das suas memórias do Ryman e, a dada altura, faz um curioso apelo à intervenção das forças policiais:

“Agora estão a construir um arranha-céus no lado que tem aquelas janelas com vitrais. Vai bloquear a luz. Devia ser ilegal. A polícia artística, ou estética, se tal coisa existisse, devia vir prendê-los...”

Os arranha-céus a que Emmylou Harris se refere são estes que aqui vos mostro.

Mas pobre Emmylou…


Mal sonharia ela que, volvidos alguns anos , todo o quarteirão que fica defronte da antiga entrada principal do Ryman está transformado num enorme estaleiro, e coisa boa não vai sair dali, certamente… E se a luminosidade interior do Ryman já não era boa, arriscar-se-á a ficar bem pior…

Mas no que respeita à decadência de Nashville, ou, melhor dizendo, à decadência de um certo ideal da música em Nashville, ainda terei mais alguma coisa para vos contar… 



Texto de Luís Miguel Mira


Legenda: fotografia de grupo dos participantes nas Prarie Wind Sessions.

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