A sombra da morte
paira um pouco sobre este disco.
Uns meses antes e na
sequência de uma longa doença degenerativa, tinha falecido o pai de Young, a
cuja memória muitas das canções do álbum são dedicadas. E, como é natural,
estaria ainda bem viva a tomada de consciência por parte do próprio Young de
que, não fora o diagnóstico da sua doença ter sido tão precoce, poderia muito
bem ter ido desta para melhor…
Mas Young regressou à
tona da vida pleno de ânimo e de pujança, como quase sempre sucede quando se
sobrevive a coisas destas. E, para o provar, decidiu fazer dois concertos no
Ryman para celebrar o seu “come back” e efectuar a apresentação mundial do novo
disco. Esses espetáculos tiveram lugar nos dias 18 e 19 de Agosto desse mesmo
ano de 2005 e foram filmados por Jonathan Demme, o célebre realizador de “O
Silêncio dos Inocentes”.
O filme daí
resultante chama-se “Neil Young – Heart of Gold” e é uma das melhores gravações
de concertos que conheço. Quem, como é o meu caso, preferir o Neil Young
acústico ao “elétrico” não o deverá perder.
Deliberadamente (dá-o
a entender nos “extras” que integram a edição em DVD), Jonatham Demme procurou
homenagear as antigas gravações do “Grand Ole Opry” que se fizeram no Ryman
muitas décadas antes e que se lembrava de ter visto na sua adolescência.
Para a filmagem foram
utilizadas várias câmaras, mas elas mexem-se muito pouco e tudo se harmoniza no
trabalho final de montagem. Não andam esfuziantes a saltar de um lado para o
outro nem tão-pouco perdidas a esvoaçar pelo meio dos espectadores, como tantas
vezes vemos em filmagens desta natureza. A assistência, aliás, nunca nos é
mostrada, embora oiçamos os seus aplausos.
Os cenários são
simples e de bom gosto e o trabalho de iluminação excelente, não sendo
feito para se exibir a si próprio, mas sim para melhor pôr em evidência o que
está e o que se passa em cima do palco.
A própria
indumentária de todos os intervenientes é muito sóbria e parece ter saído
diretamente dos anos 50.
Perpassa por todo o
filme a nostalgia de um tempo que passou, de um Ryman e de uma Nashville
que já não são os mesmos… De qualquer coisa que desapareceu e já não volta
mais…
Numa das suas raras
intervenções entre músicas, Neil Young afirma a determinado passo, com algum
otimismo, apesar de tudo:
“Se olharem para a
Nashville de hoje há muitos mais carros e edifícios novos. Muitas vezes, penso
no que Hank Williams diria se saísse pela porta dos artistas a caminho do
Mootsie’s, olhasse e visse ali o Gaylord Entertainment Center. Acho que as
coisas mudaram mas o espírito continua aqui e isso é uma coisa bonita”.
Quem também se
manifestou, com alguma nostalgia, acerca das mutações que o tempo provocou no
“skyline” de Nashville foi Emmylou Harris, que participou nos dois
concertos
No início do seu
filme, Jonathan Demme começa por fazer uma série de curtas entrevistas ao
próprio Neil Young e a alguns dos músicos que o acompanham em palco.
O principal tema da
entrevista de Young é a história de “Prairie Wind”, o álbum que motivou a
reunião.
As entrevistas dos
restantes participantes versam sobre a relação de cada um deles com Neil Young,
mas também da respetiva relação com Nashville, já que quase todos por lá
trabalhavam há já algumas décadas. E em todas elas se sente essa
nostalgia de que vos falo, de um tempo que passou e já não volta mais…
Quanto a Emmylou
Harris, fala-nos das suas memórias do Ryman e, a dada altura, faz um curioso
apelo à intervenção das forças policiais:
“Agora estão a
construir um arranha-céus no lado que tem aquelas janelas com vitrais. Vai
bloquear a luz. Devia ser ilegal. A polícia artística, ou estética, se tal
coisa existisse, devia vir prendê-los...”
Os arranha-céus a que
Emmylou Harris se refere são estes que aqui vos mostro.
Mas pobre Emmylou…
Mal sonharia ela que,
volvidos alguns anos , todo o quarteirão que fica defronte da antiga entrada
principal do Ryman está transformado num enorme estaleiro, e coisa boa não vai
sair dali, certamente… E se a luminosidade interior do Ryman já não era boa, arriscar-se-á
a ficar bem pior…
Mas no que respeita à
decadência de Nashville, ou, melhor dizendo, à decadência de um certo ideal da
música em Nashville, ainda terei mais alguma coisa para vos contar…
Texto de Luís Miguel Mira
Legenda: fotografia de grupo dos participantes nas Prarie Wind Sessions.
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