Seve, um habitual, e amável, viajante deste blogue, a propósito de um texto aqui publicado, deixou ontem este comentário: «E será assim (armas e mais armas) que se alcançará a paz? E pergunto eu: e quererão eles a paz?»
Preparava-me para
responder quando me lembrei que o José Saramago em Alabardas, Alabardas tem algo parecido. Foi quando verifiquei, para
espanto dos espantos, que nunca coloquei o livro do Saramago, publicado em Setembro
de 2014, em Olhar as Capas. Deverá existir um motivo para que isso não tivesse
acontecido, mas não lembro qual.
O Olhar as Capas já tem a capa do livro e o resto é apenas aproveitar a boleia e servir-me dos Sublinhados Saramaguianos para dizer algo mais.
Pilar del Rio, com
quem muito poucas vezes estou de acordo com o que diz e faz, a quando da
publicação deste incompleto livro, disse:
«Escreveu poucas folhas, mas o que está escrito é maravilhoso»
Assino por baixo.
Devo lembrar que sou terrivelmente suspeito em relação a toda a escrita de Saramago: gosto sempre!
Os jornalistas lusos,
sempre à cata de qualquer coisa que nada tem a ver com jornalismo, perguntaram
a Pilar se teve dúvidas em relação à publicação do livro:
«Não. Como vou ter dúvidas? Há
três capítulos de Saramago e os leitores de Saramago não têm direito a
conhecê-los? Por amor de deus, fico com eles só para mim? Deito-os fora? Há que
publicá-los, evidentemente! Não há a menor dúvida. E quem as tem não sabe
rigorosamente nada sobre o mundo da literatura».
Volto a assinar por
baixo.
A 24 de Outubro de 2009 pode ler-se nas notas que
Saramago deixou sobre o livro:
«… aqui deixo a
promessa de trabalhar no novo livro com maior assiduidade. Sairá ao público no
ano que vem se a vida não me falta.»
Mas a 18 de Junho de 2010 a morte encontrou-o no meio dos primeiros três capítulos do livro, que a 15 de Agosto de 2009 dizia que ia escrever e que constituem as 66 páginas nesta edição da Porto Editora. O livro reúne ainda «Um Livro Inacabado, Uma Vontade Firme» de Ferenando Gómez Aguilera e «Também Eu Conheci Artur Paz Semedo» de Roberto Saviano a que terá de se juntar as notáveis ilustrações de Gunter Grass.
Ainda segundo as
notas deixadas por Saramago, o título do livro é inspirado em versos de Gil
Vicente na tragicomédia Exortação da
Guerra.
Saramago escreve a história de Artur Paz Semedo, o funcionário de uma fábrica de armas que
vive um conflito moral decorrente de seu trabalho, ao mesmo tempo um homem fascinado por peças de artilharia, e que leva a
cabo uma investigação na sua própria empresa, incitado pela ex-mulher, uma
mulher com carácter, pacifista e inteligente. A evolução do pensamento do
protagonista permite-nos refletir sobre o lado mais sujo da política
internacional, um mundo de interesses ocultos que subjaz à maior parte dos conflitos
bélicos do século xx.
O pedido de Felícia ao ex-companheiro é claro: «Que investigues nos arquivos da empresa se nos anos da guerra civil de espanha, entre os anos trinta e seis e trinta e nove, foram vendidos por produções belona s.a. armamentos aos fascistas» e a recomendação: «Não procures encomendas assinadas pelo general Franco, não as encontrarias, os ditadores só usam a caneta para assinar condenações à morte».
«Todos os países, quaisquer que sejam, capitalistas, comunistas ou fascistas, fabricam, vendem e compram armas, e não é raro que as usem contra os seus próprios naturais. Na boca do administrador de uma fábrica de armamento estas palavras quase soavam a blasfémia, como se tivesse dito, É assim, mas não o deveria ser.»
(pág. 39»
A verdade é que possivelmente esse livro seria um grito de Saramago
contra a guerra e a violência.
Nas notas do Caderno
de Saramago, reproduzidas neste livro, o autor a 16 de setembro de 2009, o
autor escreve:
«Creio que poderemos vir a ter livro. O primeiro capítulo refundido,
não reescrito, saiu bem, apontando já algumas vias para a tal história
«humana». Os caracteres de Felicia e do marido aparecem bastante definidos.
O livro terminará com um sonoro «Vai à merda», proferido por ela. Um remate
exemplar.»
O mundo de hoje
assiste à invasão da Ucrãnia perpretada por essa hedionda hiena chamada Putin:
a ganância, a luta pelo poder fazem parte da natureza humana e é um enorme e
chorudo negócio.
«É mais fácil mobilizar os homens para a guerra que para a paz. Ao
longo da história, a Humanidade sempre foi levada a considerar a guerra como o
meio mais eficaz de resolução de conflitos, e sempre os que governaram se
serviram dos breves intervalos de paz para a preparação das guerras futuras.
Mas foi sempre em nome da paz que todas as guerras foram declaradas.»
Numa entrevista, ano de 2009, ao Diário de Notícias, disse José Saramago.
«O sentir humano é uma espécie de caleidoscópio instável, mas, neste caso, o que importará deixar calro é que a reacção prevalecente foi a contrariedade, o desagrado, a zanga. Foram eles que levaram artur paz semedo a não continuar a ler o livro de Malraux, para seu desgosto, e profundo, já lhe bastava o que tinha acabado de sofrer. Desde o princípio do mundo que havia armas e não morria mais gente por isso, morriam os que tinham de morrer, nada mais.Uma bomba nuclear levava pelo menos a vantagem de abreviar um conflito que doutra maneira se poderia arrastar indefinidamente, como o foi o caso, antigamente, da guerra dos trinta anos, e a outra, a dos cem, quando já ninguém esperava que alguma vez pudesse voltar a haver paz».
(pág. 23)
Legenda. Ilustração de Gunter Grass em Alabardas, Alabardas.
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