Já vos disse que a autobiografia de Woody Allen me tem
ajudado nestes dias conturbados, o mesmo acontece com a biografia de Manuel António Pina e os Sublinhados Saramaguianos.
A autobiografia de Woody Allen teve um único fim, o de
arregimentar uns tostões para cobrir despesas com advogados, mas, acima de tudo, publicamente, contar a sua
versão das loucuras perversas da «bela» e velhaca Mia Farrow, também do
oportunismo irresponsável da Amazon Studios que cancelou contratos com o cineasta por causa
das acusações de abusos sexual lançadas sobre Allen: «o retomar das alegações
contra o sr. Allen, as suas declarações controversas, e a recusa de um
crescente número de talentos de topo em trabalhar ou estar associados com eles
seja no que for», disse um porta-voz da Amazon Studios que, quando assinou os
contratos com Allen já sabiam, das alegações infundadas sobre Allen que são públicas para cima de 25
anos.
Hoje, coloco-vos Woody Allen a falar dos seus pais:
«Em defesa da minha
mãe, devo dizer que Nettie Cherry era uma mulher maravilhosa; inteligente,
trabalhadora, abnegada. Era fiel e carinhosa e decente, mas não era, digamos,
fisicamente cativante. Quando disse, anos mais tarde, que a minha mãe parecia
Groucho Marx, as pessoas pensavam que eu estava a brincar. Nos seus últimos
anos padeceu de demência e morreu aos noventa e seis. Por delirante que
estivesse, mesmo no final nunca percebeu a sua capacidade de kvetch (pessoa que
reclama de tudo, nota do editor), algo que transformara numa forma de arte. O
meu pai, dinâmico até aos seus noventa e muitos, nunca permitiu que preocupação
ou cuidado lhe perturbassem o sono. Nem pensamento algum as horas de vigília. A
sua filosofia era a de que «Se não tiveres saúde não tens nada», uma sabedoria
mais profunda do que toda a perplexidade do pensamento ocidental, tão sucinta
quanto um biscoito da sorte. E manteve a sua saúde. «Nada me incomoda»,
gabava-se. «És demasiado estúpido para que alguma coisa te incomode», tentava
explicar-lhe a minha mãe, pacientemente. A minha mãe tinha cinco irmãs, cada
uma mais rústica que a outra, sendo a minha mãe, sem dúvida, a mais rústica de
todas. Coloquemos as coisas desta maneira: a teoria edipian de Freud de que
todos os homens querem, inconscientemente, matar os pais para casarem com as
mães choca contra uma parede de tijolo no que diz respeito à minha mãe.»
(Página 11)
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