quinta-feira, 21 de abril de 2022

SE NÃO TIVERES SAÚDE NÃO TENS NADA


Já vos disse que a autobiografia de Woody Allen me tem ajudado nestes dias conturbados, o mesmo acontece com a biografia de Manuel António Pina e os Sublinhados Saramaguianos.

A autobiografia de Woody Allen teve um único fim, o de arregimentar uns tostões para cobrir despesas com advogados,  mas, acima de tudo, publicamente, contar a sua versão das loucuras perversas da «bela» e velhaca Mia Farrow, também do oportunismo irresponsável da Amazon Studios que  cancelou contratos com o cineasta por causa das acusações de abusos sexual lançadas sobre Allen: «o retomar das alegações contra o sr. Allen, as suas declarações controversas, e a recusa de um crescente número de talentos de topo em trabalhar ou estar associados com eles seja no que for», disse um porta-voz da Amazon Studios que, quando assinou os contratos com Allen já sabiam, das alegações infundadas sobre Allen que são públicas para cima de 25 anos.

Hoje, coloco-vos Woody Allen a falar dos seus pais:

«Em defesa da minha mãe, devo dizer que Nettie Cherry era uma mulher maravilhosa; inteligente, trabalhadora, abnegada. Era fiel e carinhosa e decente, mas não era, digamos, fisicamente cativante. Quando disse, anos mais tarde, que a minha mãe parecia Groucho Marx, as pessoas pensavam que eu estava a brincar. Nos seus últimos anos padeceu de demência e morreu aos noventa e seis. Por delirante que estivesse, mesmo no final nunca percebeu a sua capacidade de kvetch (pessoa que reclama de tudo, nota do editor), algo que transformara numa forma de arte. O meu pai, dinâmico até aos seus noventa e muitos, nunca permitiu que preocupação ou cuidado lhe perturbassem o sono. Nem pensamento algum as horas de vigília. A sua filosofia era a de que «Se não tiveres saúde não tens nada», uma sabedoria mais profunda do que toda a perplexidade do pensamento ocidental, tão sucinta quanto um biscoito da sorte. E manteve a sua saúde. «Nada me incomoda», gabava-se. «És demasiado estúpido para que alguma coisa te incomode», tentava explicar-lhe a minha mãe, pacientemente. A minha mãe tinha cinco irmãs, cada uma mais rústica que a outra, sendo a minha mãe, sem dúvida, a mais rústica de todas. Coloquemos as coisas desta maneira: a teoria edipian de Freud de que todos os homens querem, inconscientemente, matar os pais para casarem com as mães choca contra uma parede de tijolo no que diz respeito à minha mãe.»

(Página 11)

Sem comentários: