Dito já que começaram as iniciativas que visam registar o centenário do nascimento de José Saramago, acrescenta-se que irei pegando num qualquer livro de José Saramago e copiarei dele uma frase, um parágrafo, aquilo que constitui os milhares de sublinhados que, ao longo dos muitos anos de leituras, invadiram os livros de José Saramago que habitam a Biblioteca da Casa.
Começo pelo Último Caderno de Lanzarote.
Escolho
a entrada do dia 5 de Janeiro de 1998:
«Morreu
a Ilda. A Ilda era a Ilda Reis, que nos tempos de rapariga começou a sua vida
de trabalho como dactilógrafa dos serviços administrativos dos Caminhos de
Ferro, e depois, obrigando um corpo demasiadas vezes sofredor, esforçando a
tenacidade de um espírito que as
adversidades nunca conseguiram dobrar, se entregou à vocação que faria dela um
dos mais importantes gravadores portugueses. Gozou dessa felicidade substituta
que o êxito costuma vender caro, mas tinha-lhe fugido o simples contentamento
de viver. As suas gravuras e as suas pinturas foram em geral dramáticas,
cindidas, autorreflexivas, de expressão tendencionalmente esquizofrénica
(diga-se sem nenhuma certeza), como se teimasse ainda em procurar uma
complementaridade para sempre perdida. Fomos casados durante vinte e seis anos.
Tivemos uma filha.»
Legenda:
Inquietação, gravura sobre cobre de Ilda Reis, datada de 1971.
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