Dito
já que começaram as iniciativas que visam
registar o centenário do nascimento de José Saramago, acrescenta-se que irei
pegando num qualquer livro de José Saramago e copiarei dele uma frase, um
parágrafo, aquilo que constitui os milhares de sublinhados que, ao longo
dos muitos anos de leituras, invadiram os livros de José Saramago que habitam
a Biblioteca da Casa.
Que Farei Com Este Livro?, o livro de
hoje para sublinhados, reflecte as
dificuldades por que passou Luís de Camões para publicar Os Lusíadas:
o desinteresse do rei, a perseguição que a Inquisição lhe moveu.
Saramago pretende que o livro seja o retrato das dificuldades de um qualquer
autor, num qualquer tempo.
«Damião
de Góis: Sem dúvida são melhores os caminhos rectos, mas esses não
os há na vida das nações nem nos interesses dos paços e dinastias. A vossa obra
será publicada, Luiz Vaz, mas só quando, claramente a balança pender para um
lado ou para outro.
Luís
de Camões: Porém o livro não será
diferente do que é.
Damião
de Góis: A diferença estará nos olhos
que o lerem. E a parte que ficar vencedora fará que seja o livro lido com os
olhos que mais lhe convierem.
Diogo
do Couto: E a parte vencida, que fará?
Damião
de Góis: Ficará esperando a sua vez de
ler e fazer doutra maneira.
Luís
de Camões: Eu sei o que escrevi.
Damião
de Góis: Sabereis, não o duvido. Mas
também eu sabia o que escrevera na segunda parte do meu livro Sobre a
fé, costumes e religião dos Etíopes, e não cuidei que tivesse o santo Ofício
motivos para determinar que ele fosse apreendido na alfândega de Lisboa.»
(Página 93)
No dizer de Eugénio de Andrade «de
Camões, em pura verdade, muito pouco sabemos. Nasceu pobre, viveu pobre, morreu
mais pobre ainda.»
Luís
de Camões: Já não tenho muito por que me ofenda. Mas o meu livro terá de ser
publicado graças ao seu próprio mérito, não por caridade, mesmo de amor.
Francisca
de Aragão: Há pouco dizias que te irias pôr à porta do paço a pedir esmola.
Aceitarias essa e não aceitas o que esmola não é nem pode ser, mas amor, como
tu próprio declaraste?
Luís
de Camões: Se
eu fosse esmolar pelas ruas e praças talvez me dessem dinheiro para comer. Mas
não mo dariam se eu dissesse que o destinava a pagar ao livreiro que me
imprimisse o livro.»
(Página 134)
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