Dito
já que começaram as iniciativas que visam
registar o centenário do nascimento de José Saramago, acrescenta-se que irei
pegando num qualquer livro de José Saramago e copiarei dele uma frase, um
parágrafo, aquilo que constitui os milhares de sublinhados que, ao longo
dos muitos anos de leituras, invadiram os livros de José Saramago que habitam
a Biblioteca da Casa.
Com a publicação de Ensaio Sobre a
Lucidez, José Saramago prosseguiu o seu caminho de nunca evitar polémicas.
Podemos não concordar com muito do que disse mas nunca poderemos nunca
poderemos dizer que foram fúteis ou estéreis.
A
minha especialidade é levantar uma pedra para ver o que está por baixo.
O livro de hoje para os sublinhados é o
Ensaio Sobre a Lucidez.
A apresentação de Ensaio Sobre a Lucidez, em Março de 2004, no Centro de Congressos
de Lisboa decorreu, perante milhares de pessoas, com um debate moderado por
José Manuel Mendes, e que contou com a presença de José Saramago, José Barata
Moura, Mário Soares e Marcelo Rebelo de Sousa.
Disse, então, Saramago: Estou contra o sistema que nos governa e
consegui encontrar o instrumento por excelência de contestação: o voto em
branco.
Ensaio
Sobre a Lucidez provoca a discussão do sentido e
eficácia do voto em branco que deveria ser um voto validamente expresso, e como
tal considerado, em confronto ou contraste, com o poder viciado da democracia
partidária.
O
voto em branco é uma arma democrática que possuímos para impedir os políticos
de continuarem a brincar connosco, ainda Saramago.
Curiosamente não são muitos os sublinhados
deste livro de Saramago talvez porque a sua não conseguiu despertar o gosto
saramagueano com que sempre me debrucei sobre os livros de José saramago:
«A
minha vontade seria ir aí e dar-lhe um puxão de orelhas, Já não estou na idade, senhor ministro, Se alguma vez vier
a ser ministro do interior, saberá que para puxões de orelhas e outras
correcções nunca houve limite de idade, Que não o ouça o diabo, senhor
ministro, O diabo tem tão bom ouvido que não precisa que lhe digam as coisas em
voz alta. Valha-nos então deus, Não vale a pena , esse é surdo de nascença
Algures,
numa não nomeada cidade, há eleições autárquicas. É grande a afluência às urnas
mas, após a contagem dos votos, verifica-se que a esmagadora maioria dos votos
estão em branco. Nem governo, nem políticos, nem comentadores políticos, nem
jornalistas compreendem a situação e interrogam-se de como pode um povo ser tão
irresponsável?»
(Página 111)
«Posso
fazer-lhe também uma pergunta. Ora essa, senhor presidente, à vontade. Votou em
branco, Anda a fazer um inquérito, Não, é só uma curiosidade, mas se não quiser
não responda. O homem hesitou um segundo, depois, sério, espondeu, Sim, senhor
votei em branco, que eu saiba não é proibido. Proibido não é, mas veja o
resultado. O homem parecia ter-se esquecido do amigo imaginário, Senhor
presidente, eu, pessoalmente, não tenho nada contra si, sou até capaz de
reconhecer que tem feito bom trabalho na câmara municipal, mas a culpa disso a
que está a chamar resultado não é minha, votei como me apeteceu, dentro da lei,
agora vocês que se amanhem, se acham que a batata escalda, soprem-lhe.»
(Página 121)
«Digamos
que pôs a estopa e eu contribuí com o prego, e que a estopa e o prego juntos me
autorizam a afirmar que o voto em branco é uma manifestação de cegueira tão
destrutiva como a outra. Ou de lucidez, disse o ministro da justiça, Quê,
perguntou o ministro do interior, que julgou ser ouvido mal, Disse que o voto
em branco poderia ser apreciado como uma manifestação de lucidez por parte de
quem o usou, Como se atreve, em pleno conselho do governo, a pronunciar
semelhante barbaridade antidemocrática, deveria ter vergonha, nem parece um
ministro da justiça, explodiu o da defesa. Pergunto-me se alguma vez terei sido
ministro da justiça ou de justiça, como neste momento, Com um pouco mais ainda
me vai fazer acreditar que votou em branco, observou o ministro do interior
ironicamente.
(Página 176)
«Um
impossível nunca vem só.»
(Página 211)
«Barco
parado não faz viagem.»
(Página 261)
«As
meias palavras existem para dizer o que as inteiras não podem.»
(Página 274)
Legenda: Caricatura de António publicada no “Expresso”, Março
2004
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