domingo, 21 de novembro de 2021

SUBLINHADOS SARAMAGUIANOS


Dito já que começaram as iniciativas que visam registar o centenário do nascimento de José Saramago, acrescenta-se que irei pegando num qualquer livro de José Saramago e copiarei dele uma frase, um parágrafo, aquilo que constitui os milhares de sublinhados que, ao longo dos muitos anos de leituras, invadiram os livros de José Saramago que habitam a  Biblioteca da Casa.

Com a publicação de Ensaio Sobre a Lucidez, José Saramago prosseguiu o seu caminho de nunca evitar polémicas. Podemos não concordar com muito do que disse mas nunca poderemos nunca poderemos dizer que foram fúteis ou estéreis.

A minha especialidade é levantar uma pedra para ver o que está por baixo.

O livro de hoje para os sublinhados é o Ensaio Sobre a Lucidez.

A apresentação de Ensaio Sobre a Lucidez, em Março de 2004, no Centro de Congressos de Lisboa decorreu, perante milhares de pessoas, com um debate moderado por José Manuel Mendes, e que contou com a presença de José Saramago, José Barata Moura, Mário Soares e Marcelo Rebelo de Sousa.

Disse, então, Saramago: Estou contra o sistema que nos governa e consegui encontrar o instrumento por excelência de contestação: o voto em branco.

Ensaio Sobre a Lucidez provoca a discussão do sentido e eficácia do voto em branco que deveria ser um voto validamente expresso, e como tal considerado, em confronto ou contraste, com o poder viciado da democracia partidária.

O voto em branco é uma arma democrática que possuímos para impedir os políticos de continuarem a brincar connosco, ainda Saramago.

Curiosamente não são muitos os sublinhados deste livro de Saramago talvez porque a sua não conseguiu despertar o gosto saramagueano com que sempre me debrucei sobre os livros de José saramago:

«A minha vontade seria ir aí e dar-lhe um puxão de orelhas, Já não estou  na idade, senhor ministro, Se alguma vez vier a ser ministro do interior, saberá que para puxões de orelhas e outras correcções nunca houve limite de idade, Que não o ouça o diabo, senhor ministro, O diabo tem tão bom ouvido que não precisa que lhe digam as coisas em voz alta. Valha-nos então deus, Não vale a pena , esse é surdo de nascença

Algures, numa não nomeada cidade, há eleições autárquicas. É grande a afluência às urnas mas, após a contagem dos votos, verifica-se que a esmagadora maioria dos votos estão em branco. Nem governo, nem políticos, nem comentadores políticos, nem jornalistas compreendem a situação e interrogam-se de como pode um povo ser tão irresponsável?»

(Página 111)

«Posso fazer-lhe também uma pergunta. Ora essa, senhor presidente, à vontade. Votou em branco, Anda a fazer um inquérito, Não, é só uma curiosidade, mas se não quiser não responda. O homem hesitou um segundo, depois, sério, espondeu, Sim, senhor votei em branco, que eu saiba não é proibido. Proibido não é, mas veja o resultado. O homem parecia ter-se esquecido do amigo imaginário, Senhor presidente, eu, pessoalmente, não tenho nada contra si, sou até capaz de reconhecer que tem feito bom trabalho na câmara municipal, mas a culpa disso a que está a chamar resultado não é minha, votei como me apeteceu, dentro da lei, agora vocês que se amanhem, se acham que a batata escalda, soprem-lhe.»

(Página 121)

«Digamos que pôs a estopa e eu contribuí com o prego, e que a estopa e o prego juntos me autorizam a afirmar que o voto em branco é uma manifestação de cegueira tão destrutiva como a outra. Ou de lucidez, disse o ministro da justiça, Quê, perguntou o ministro do interior, que julgou ser ouvido mal, Disse que o voto em branco poderia ser apreciado como uma manifestação de lucidez por parte de quem o usou, Como se atreve, em pleno conselho do governo, a pronunciar semelhante barbaridade antidemocrática, deveria ter vergonha, nem parece um ministro da justiça, explodiu o da defesa. Pergunto-me se alguma vez terei sido ministro da justiça ou de justiça, como neste momento, Com um pouco mais ainda me vai fazer acreditar que votou em branco, observou o ministro do interior ironicamente.

(Página 176)

«Um impossível nunca vem só.»

(Página 211)

«Barco parado não faz viagem.»

(Página 261)

«As meias palavras existem para dizer o que as inteiras não podem.»

(Página 274)


Legenda: Caricatura de António publicada no “Expresso”, Março 2004

Sem comentários: